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Vladimir Safatle, se o governo Alckmin fosse autista, São Paulo seria um paraíso!


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Essa semana, deparei com uma publicação no Facebook com o título “Vladimir Safatle: Governo Alckmin é autista”. Doeu na alma! O título do texto do douto em Filosofia, além de lamentável, é triste e revoltante porque retrata a ignorância e falta de empatia por pessoas que precisam brigar todos os dias por mais respeito, contra o preconceito e a discriminação!

Pra quem não sabe, sou militante da causa autista e tenho um filho autista. O uso da palavra autista no sentido pejorativo ou mesmo com a intenção de ofender vem se espalhando como erva daninha na mídia, na política e entre os ditos intelectuais.

Só para que o leitor tenha alguma noção, elenquei alguns dos tristes episódios e seus autores:

  • Em 2000, sob o título ‘Autismo’, um editorial destaca a fala do então advogado-geral da União, Gilmar Mendes: “Os juízes estão anestesiados; o autismo é um mal complicado do Poder Judiciário.”. (Jornal da Tarde, 12/7/2000).
  • Em 2005, o título “Governo e Congresso têm comportamento autista, afirma Lessa”, trouxe uma longa entrevista concedida por Renato Lessa, na época professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).(Rafael Cariello, Folha de S.Paulo, 15/5/2005).
  • Em 2011, “Para sociólogo, Ana de Hollanda é “meio autista“. O sociólogo é Emir Sader que estava prestes a presidir a Fundação Casa de Rui Barbosa e Ana de Hollanda era a ministra. (manchete para Ilustríssima, Folha de S.Paulo, 27/2/2011, p.1)
  • Em 2011, o colunista Leonardo Attuch, criticando Emir Sader diz que o sociólogo “poderia ser enquadrado na categoria” de autista e mais adiante diz que Emir, por não perceber a nova realidade, dá sinal de ter autismo. (Leonardo Attuch, IstoÉ, ano 35, n. 2156, 9/3/2011, p.47).
  • Em 2013, o título do editorial do jornal O Globo era “O autismo da política de comércio exterior”. (Editorial O Globo, 26/02/2013)
  • Em 2014, o diplomata Paulo Roberto de Almeida publica em seu blog “Um governo autista, que acha que o mundo está errado, só ele está certo… – Mansueto Almeida” e em seguida “Existe alguma novidade econômica, ou de simples pensamento econômico, vindo do governo. O governo, ou a governanta, é autista, autossuficiente e satisfeito consigo mesmo. Tem o contentamento dos beatos, dos simples, dos ingênuos, dos ignorantes…” (Diplomatizzando – 07/07/2014)
  • Em 2014, o senador Roberto Requião, pmdbista candidato ao governo do Paraná, numa tentativa de desqualificar Beto Richa, afirmou que o psdbista era autista e conduzia um governo autista durante um debate na RPV TV (repetidora da Globo) (30/09/2014)
  • Em 2015, Clei Moraes, Analista, Articulista e Redator, Consultor em Comunicação e Relações Governamentais, Assessor Parlamentar como ele se apresenta, publica com o seguinte título “Cleptocracia autista: O governo Dilma acabou”. (OPublikador, 08/02/2015)
  • Em 2015, o senador (PSB-AP) João Capiberibe dá uma entrevista a Veja onde afirma “Se o povo bater às portas do Congresso, aí todo mundo atua. Se não bater, vai ficar no autismo de hoje.” (site Veja , O Brasil vive uma cleptocracia – 17/03/2015)
  • Em 2015, Vladimir Safatle, filósofo e professor livre-docente da Universidade de São Paulo, colunista da Folha de São Paulo e do site Carta Capital, publica um texto de crítica ao governador de São Paulo Geraldo Alckmin com o título “Governo autista”. (Folha de São Paulo – 28/04/2015)

Chamar alguém ou um governo de autista com a intenção de dizer que ele está alheio a realidade ou que só vê o que quer ou que está ensimesmado é de uma ignorância gritante, e só traz mais angústia e sofrimento pra quem vive as dificuldades da inclusão no país das injustiças sociais. Quando a intenção é o insulto ou o escárnio, a revolta é inevitável!

Para princípio de conversa, o ensimesmamento não é o único sintoma do autismo, há outros muito significativos que só, e somente só, em conjunto, caracterizam a necessidade de investigação para diagnóstico de autismo. Além disso, autismo é um transtorno de espectro muito amplo e que não determina a personalidade, ou seja, cada autista é único, como qualquer outro indivíduo, mesmo que tenham os mesmos sintomas ou reajam da mesma forma numa ou noutra situação. Autistas não são robôs ou robotizados, não são formatados, como muitos pensam!

Mas o que é o autismo?

É uma forma particular de se situar no mundo e, portanto, de se construir uma realidade para si mesmo.

A partir do último Manual de Saúde Mental – DSM-5, todos os distúrbios do autismo, incluindo o transtorno autista, transtorno desintegrativo da infância, transtorno generalizado do desenvolvimento não-especificado (PDD-NOS) e Síndrome de Asperger, fundiram-se em um único diagnóstico chamado Transtornos do Espectro Autista – TEA.

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Uma das características do autismo bastante marcante é não conseguir mentir, ao contrário, o autista é muito sincero. A mentira depende do entendimento da subjetividade, e como autistas têm dificuldade em lidar com subjetividade, não mentem! Além disso, não entende duplos sentidos e entende as coisas ao “pé da letra”. Essa sinceridade, por vezes extremada, em geral, está relacionada ao fato dele não entender certas convenções sociais ditadas pela sociedade neurotípica. O fato de não entender duplos sentidos, por exemplo, faz com que frequentemente seja vítima de bullying e nem perceba, ao ponto de rir junto com quem está debochando dele mesmo.

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Pelos menos 3 mitos sobre o autismo corroboram para o uso pejorativo do termo autista.

  • Autistas não interagem e não se comunicam com outras pessoas.
  • Autistas vivem num mundo particular.
  • Autistas não são capazes de demonstrar emoções.

Isso não está nem perto da verdade! Autistas, mesmo os clássicos, quando amados, acompanhados e sob tratamento, conseguem interagir socialmente. São capazes de se comunicar, ainda que sejam autistas não-verbais. E são capazes de demonstrar emoções. A questão é que a forma como o fazem pode não ser a convencional.

É daí que vem o título! Se Safatle soubesse o que é autismo, saberia que se o governo Alckmin fosse autista, São Paulo seria governado por alguém incapaz de mentir, incapaz de desonestidade, incapaz de jogar sujo e capaz de ser extremamente sincero! Seria o paraíso!

Assim como Safatle, Clei Moraes, no blog O Publikador, comete a infelicidade de dizer que o governo Dilma é uma cleptocracia autista! O sujeito qualifica o governo, que ele chama de cleptocracia (segundo ele, estado governado por ladrões), como autista! Ignorância! Vergonha Alheia! Duas coisas não poderiam ser mais antagônicas que um ladrão e um autista! Sr. Clei Moraes pediu desculpas nos comentários do seu texto com a justificativa de que o uso foi “licença retórica e gramatical”, ou seja, a liberdade de expressar criativamente sua ideia convicta! O que pra mim quer dizer que ele escreveu porque quis e que se danem os autistas! Safatle e Clei Moraes são capacitistas, assim como todos os outros citados nesse texto, ofenderam, de uma só vez, dois milhões de brasileiros autistas. Triste! Como eu gostaria que o Brasil fosse governado por alguém incapaz de mentir, de ludibriar…

O uso pejorativo do termo autista só reforça o capacitismo arraigado na nossa sociedade, ou seja, ela (a sociedade) se orienta pelo dominante, aquele que tem capacidade, relegando aos deficientes o plano da inferioridade. E essa orientação está nas teorias, nas práticas, nas ações do dia a dia, de forma preconceituosa e na contramão da inclusão social.

Para, além disso, tratar o autismo como uma deficiência e incapacidade é de um reducionismo absurdo! É ignorar que possa haver outra forma de ver o mundo! Para muitos, inclusive médicos, o autismo é exatamente isso, e o tratamento não só passa por ajudar o autista a se comunicar conosco, os neurotípicos, como também entender sua forma de ver as coisas, entender seu mundo particular. O tratamento ideal para um autista seria então a troca! Mas numa sociedade preconceituosa e injusta, um autista só encontra sofrimento, angústia e ansiedade, o que lhe faz cada vez menos aceitar o contato.

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O leitor um pouco mais situado sobre a causa autista deve estar se perguntando por que uso o termo autista e não pessoa com autismo, principalmente por estar criticando capacitistas. Tenho lido muitos textos sobre capacitismo e sobre defesa da reapropriação linguística de termos definidores de minorias. É o que estou fazendo nesse texto! Estou me reapropriando do termo para reforçá-lo como característica de um ser humano e não como sua deficiência. Enquanto nós, autistas e familiares, continuarmos a ver e sentir o termo autista como algo negativo, estaremos reforçando essa ideia na sociedade. Precisamos nos reapropriar da palavra para redefinir o que é ser autista, porque ninguém está autista. A reapropriação amplia, na sociedade, a discussão e corrobora para seu esclarecimento. E uma sociedade consciente da necessidade de inclusão, é uma sociedade preparada para lidar com nossos anjos azuis!

Dedico esse texto ao meu Anjo Azul, que nesses dias, ao conseguir entender o que era luto e o motivo pelo qual professores de sua escola estavam de preto, fez o seguinte comentário num tom de revolta, porém cheio de inocência:

– Tem que respeitar os professores! Educação é uma coisa boa. Vamos falar com o governador do Paraná. Temos que dizer pra ele não bater nos professores. Bater é errado.

Meu filho, tenho muito orgulho de você!

 

Para saber mais sobre autismo:

Os autismos

O autismo em tradução

Revista Autismo

Lagarta vira Pupa

Mundo Azul

Autismo e Realidade

Categorias: Crítica, Reflexões, Sociedade | Tags: , , , , , , , | 11 Comentários

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