Arquivo do dia: 11 de setembro de 2014

Voto nulo, voto útil


Já foram amigos e aliados mui queridos, até uma traição em 2006, em uma história baixo nível até para os parâmetros degradados da política fluminense

Já foram amigos e aliados mui queridos, até uma traição em 2006, em uma história baixo nível até para os parâmetros degradados da política fluminense

Nas presentes eleições, parece que o clima de desconsolo em relação à política eleitoral atingiu seu auge de desanimo. Após as manifestações populares que tomaram o país, o descrédito em que partidos e políticos caíram chegou a um cúmulo que beira o insustentável. Não é para menos. De esquerda ou direita, todos têm cometido erros grosseiros em relação às demandas da população e pouco ou nada conseguiram reverter em atitudes práticas que indicassem mudanças significativas que apontassem para qualquer transformação. Quando os sussurros tornaram-se gritos de indignação, exigindo maior participação no processo decisório na condução do país (e aqui não importa a variedade de formulações que foram dadas ao problema, o ponto central continua sendo esse), ninguém apresentou uma resposta satisfatória.

Pior ainda, na verdade. As tímidas e natimortas propostas de reforma por parte do governo foram rejeitadas por um congresso avesso a abrir mão dos seus incontáveis e divinos privilégios, com o apoio irrestrito da grande mídia, que provou assim realmente não ter interesse nenhum em mudanças estruturantes e de fundo que possam realmente mudar o país e, quem sabe, até acabar com a corrupção, que ela teoricamente tanto combate. É esta a diferença entre a denúncia e o denuncismo: a primeira tem como base o desejo concreto de transformação, o segundo tem apenas um viés político-partidário de baixíssimo nível e visa apenas a trazer os seus candidatos de volta ao poder. Uma revisteca de direita de circulação nacional que eu nem digo o nome chegou a publicar uma matéria de capa, comparando o projeto do governo para ampliar a participação popular com os soviets da revolução russa, em uma prova de que o jornalismo e a ficção científica no Brasil são gêneros bastante indiferenciados.

Portanto, não é nenhuma surpresa que a campanha contra a “farsa eleitoral” esteja conquistando tantos adeptos. Ao invés de gerar críticas de viés fortemente geriátrico às novas gerações de manifestantes, ganhava mais a esquerda – a direita, é claro, será sempre contra qualquer forma de revolta popular, como a imprensa tão bem ilustrou nos últimos meses – em fazer um severo processo de autocrítica para entender em que ponto ela se desvinculou da força e das reivindicações das ruas. As ruas também ganhariam ao deixar de lado um pouco a falsa noção de que a História começou em junho do ano passado. Desqualificar alguém por ser jovem me parece tão estúpido quanto desqualificar alguém por ser velho. Ignorar que houve uma longa e sofrida caminhada para se chegar aonde estamos hoje, também. Mas infelizmente o atual quadro político do Rio de Janeiro é bem mais complicado do que essas questões.

É famosa a citação a Winston Churchill, notório anticomunista, que teria justificado a sua aliança com Stalin dizendo, “contra Hitler, eu me aliaria até com o diabo”. Dito isto e guardadas as devidas proporções, vamos falar sobre Lindbergh Faria. Conheci-o há muitos anos, no movimento estudantil, e nunca tive simpatia por ele. Ainda não tenho. Mas creio que na conjuntura atual, não se deve descartar fazer um voto útil aí, contra o Garotinho e contra o Pezão. Cabral foi rechaçado pela população do Rio de Janeiro. A sua renúncia foi uma vitória memorável e incontestável dos movimentos de junho, que com as manifestações e a ocupação da rua onde ele mora, no Leblon, tornaram não apenas a sua situação política insustentável, como a sua própria vida um inferno (deve ser meio chato dormir e acordar todos os dias com uma multidão gritando “Ei, Cabral, vai tomar no c…” na sua janela). No entanto, o voto no Pezão está crescendo (segundo especialistas, em cima da enorme e altamente compreensível rejeição ao Garotinho). O eleitor carioca está se sentindo entre a cruz e a caldeirinha. Apesar do crescimento de Pezão estar se dando nessa conjuntura muito específica (a escolha entre o imponderável), fico na dúvida se a sua eleição não traria um amargo sabor de derrota à vitória que representou a renúncia de Sérgio Cabral.

O diabo aguardando ansiosamente pelo Crivella e sua turma

O diabo aguardando ansiosamente pelo Crivella e sua turma

Não questiono o bordão, hoje tão na moda, de que “eleição não muda nada”. Isso é um fato além da contestação. As verdadeiras mudanças virão de outro lugar, que não das urnas. Questiono se o voto nulo é o instrumento certo para o estado do Rio de Janeiro neste momento. O voto nulo é um instrumento político válido, que demonstra a descrença no processo eleitoral em si ou a insatisfação com o cardápio de opções apresentadas. Já fiz uso dele várias vezes. Acho mais fácil ainda entender a extrema preguiça com os partidos tradicionais, ainda mais da parte de quem está nas ruas lutando e ainda por cima é criminalizado por partidos de esquerda.

Mas creio ainda assim ser essencial relembrar alguns fatores. Cabral e Garotinho foram aliados, até a ruptura violenta quando da eleição do primeiro, em 2006. A despeito do rompimento, ambos se apóiam sobre as mesmas máfias (chega a ser risível ver Garotinho dizer no horário eleitoral que enfrentará a máfia dos transportes). Os governos Garotinho / Rosinha estão associados ao crescimento das milícias. Os dos senhores Cabral / Bundão (digo, Pezão), ao recrudescimento da violência policial, via o projeto das UPPS (falido por não ter visão social nenhuma) e via a repressão sistemática às manifestações populares. Todos estão ligados a um banho de sangue e ao genocídio sistemático da população pobre e negra do estado. Todos são ou foram do PMDB. Todos estiveram intimamente relacionados, sendo vices ou líderes de governo uns dos outros. Todos, enfim, vêm do mesmo lugar, e esse lugar é o inferno. Somados os seus “esforços”, já são 16 anos de domínio dessa camarilha. Minha pergunta é: não estaremos entregando fácil demais mais 4 anos para essa corja?

Categorias: Política | 3 Comentários

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