Arquivo do dia: 27 de fevereiro de 2014

O cabelo, o sexo e a viga


nega2nega2

“Olha a cabeleira do Zezé… Será que ele é? Corta o cabelo dele”.

“Nega do cabelo duro que não gosta de pentear/ Quando passa na baixa do tubo/ O negão começa gritar/ Pega ela aí / Pra quê?/ Pra passar batom/ Que cor?/ De violeta, na boca e na bochecha/ Pega ela aí / Pra quê?/ Pra passar batom/ Que cor?/ De cor azul, na boca e na porta do céu”

Analisado e sentido de um ponto de vista romântico, o carnaval reflete a igualdade entre as classes, a democratização dos espaços, de tal forma que no mesmo bloco, no mesmo baile, na mesma escola de samba, encontrem-se pessoas cuja diversidade tem como mesma paixão a folia.

Diferente desse sentimento de inclusão, o que vemos de sobra pelas ruas é a violência associada à depreciação do outro. O nosso igual, aquele que se irmana na cerveja e no suor, no samba no pé ou na dança dos dedinhos indicadores, repentinamente teme ser apontado, agredido, esculachado.  O bebê de tarlatana rosa, que horripila por ser simplesmente gente.

As agressões seguem brutais. O outro é a lésbica, o gay, a prostituta, o negro. O outro é o bêbado ou a bêbada, cujo cu, segundo o dito popular, não tem dono. O outro é o menor infrator acorrentado a um poste no pelourinho revisitado.

Na música de Luís Caldas, a nega do cabelo duro, que cantada por Elis e por Elza Soares tinha cabelo que serpenteia e que estava na moda, que o Planet Hemp afirmava ser “minha nega, meu amor”, passa a ser perseguida e vítima de violência. Tal qual o Zezé com sua cabeleira cortada pelos foliões intolerantes. Mais ainda, a reparar a rima omitida nas combinações possíveis com as palavras “violeta” e “azul”, o que se tem é violência sexual mesmo. Quem seria essa nega sem batom? Relembro episódio recente de namoradas que foram agredidas em saída de bloco no Largo de São Francisco e na night da Lapa Boêmia sem acolhimento da Lapa Presente (do Paes), agredidas porque mulheres, agredidas porque exercem sua liberdade sexual.

A mulata Globeleza encarna o estereótipo de brasilidade. O Brasil tipo exportação para  inglês ver, ou qualquer turista de outra nacionalidade.  Saia curta e decote merecem comentários jocosos, olhares entre libidinosos e reprobatórios. Mas pelada na avenida é outra coisa. Ali a nudez é liberada, como se um contrato silencioso entre as partes fosse respeitado dessa forma. No fundo, apenas mais uma forma de coerção, de domesticação dos corpos e das expressões de liberdade.

Porque resisto,  busco a agenda dos blocos de rua, cantarolando a campeã do concurso de marchinhas: “Senhor prefeito, não é intriga/ Onde foi que enfiaram aquela viga?”.

nega1nega1

Categorias: Crítica, Cultura, Reflexões, Sociedade | Tags: , | 6 Comentários

Crie um website ou blog gratuito no WordPress.com.