Arquivo do mês: abril 2013

Desengavetando VII


Cinco poemas mais, cuidadosa e laboriosamente selecionados. Boas leitura e fruição!

APENAS O QUE É NECESSÁRIO

Revolução ou não? = Vida ou Morte!

 

Construir tijolo por tijolo,

com a argamassa suficiente

para erguer a parede portentosa

que esmagará o mundo cão.

 

Proliferar por toda

a fecunda terra

as sementes do extermínio

absoluto e irreversível

do vil patrão.

 

Soerguer o Epicentro

da superação humana,

com braços aviltados,

pernas molestadas,

mas corações apaixonados

e pensamentos certos.

 

A estabilidade oscilante

do pulsar histórico…

Contínuo…e…

sempre…

 

Cumprir as tarefas precisas.

Solapar o velho apodrecido.

Construir o novo

mundo

e o novo homem!

 

NEOMITOLOGIA

Mais forte do que juntos

Alá, Zeus, Shiva e Odin

com a sordidez de muitos

Lokis e Lucíferes,

o novo Senhor

erige-se sobre a Terra

com força de centenas de milhões

massacrados, pulverizados em cacos,

em mais agruras que Prometeu agrilhoado.

 

O novo senhor constrói

toda sua fé na crença cega

de que Ele próprio não há,

e se mantém como mil sóis,

definhando a Quase todos

 

com fome,

carestia,

miserabilidade,

violência,

exclusão,

pelo mero direito de não serem irmãos.

 

MARTINICA, dentre outros

Chuva torrencial

em sua terra ressecada rachada

com gotas de sangue lacrimoso e suado

de mãos enrugadas.

 

Por detrás de tua árida agrura

torpe discurso folhetinesco.

 

Desejo de crescer.

Morte na tua porta.

Aborto em teu parto.

 

1789…

Allons enfant de la patrie.

O dia de glória já é chegado.

Libertè, igualitè, fraternitè.

 

Construir o novo,

guilhotinando o velho senhor.

Sob nobres égides,

subverter os delírios de Rosseau.

 

Mais de dois séculos de terror!

Geleiras humanas em Termidor!

 

Todo sofrer proletário,

encoberto por longo Brumário.

 

Tudo ainda ontem.

Mas, a História segue incessante.

 

DA ONIPRESENÇA PROLETÁRIA

Em toda parte, há mãos proletárias.

Centenas, milhares.

Uma histórica infinidade.

 

No chão que você pisa,

no lugar em que estiver,

na escritura destes versos

ronda o imortal espectro proletário.

 

Na construção de nosso mundo

há calos, suores, lágrimas e sangue

de labuta

em cada mínimo produto

há a mais-valia que tanto suga.

 

O trabalhador produz o mundo

que o exclui e oprime

em cada despercebido arremate.

 

Este mundo que não

lhe deixam usufruir,

enquanto seguem cínicos

com desmedido fingir.

 

Mas, a onipresente mão

de quem a tudo dá a existir

empunhará certezas

e poderosas armas e verdades.

Quem será o último a rir?

 

desengavetar11

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Moanews: no transverso da notícia


 

A Toga da mironga do kabuletê

Gilmar Mendes, padrinho do Daniel Dantas, ao conceder uma liminar travando a prerrogativa do Congresso de legislar, criou uma fábrica de intrigas. Alegar que o projeto do Congresso é “casuístico” e que “teve extrema velocidade na tramitação” é defender que o Supremo julgue a velocidade do Legislativo. O caso exige internação imediata. Isso não está na esfera do Judiciário, mas no espaço de um consultório psiquiátrico.

 

Ding dong!!The witch is dead!!

Repórter da Globo pergunta e  jornalista inglês crava:

̶  Você está de luto pela morte de Margareth Thatcher?”
̶  Acho que estou mais de luto porque ela nasceu!

 

 By Dudu

Enquanto a Comissão Nacional da Verdade trabalha para investigar graves violações aos direitos humanos praticadas na ditadura militar, o prefeito do Rio empossa a Comissão Municipal da Moda.

 

Image Judas em Sábado de Aleluia

Em janeiro, a cúpula do PPS avaliou quatro possibilidades para 2014: apoio a Eduardo Campos (PSB),  a Aécio Neves (PSDB),  a Marina Silva (REDE) ou  apoio a uma possível candidatura de Fernando Gabeira (PV). 
Deu beijinhos no primeiro governo Lula, depois pediu o Serra e o Alckmin em casamento.

Semana passada Roberto Iscariotes Boquinha anunciou transfusão com o PMN. Com isso, o novo partido aumentaria a mordida de recursos públicos do Fundo Partidário, além de somar tempo para colocar a carranca na TV e o gogó no rádio.
No liquidificador dessa barafunda, o PPS de Roberto Freire poderia chamar-se PJSA (Partido de Judas em Sábado de Aleluia).

 

ImageA caveira da pacificação

Sobem ladeiras e degraus, andam na lama e na vala. Protegidos por uma couraça de 15 toneladas que suporta numa boa a fuzilaria dos bandidos magrelos das favelas cariocas.

São oito Caveirões comprados por Cabralzinho. A ordem é entrar na favela e deixar corpo no chão. Bala de fuzil no cocuruto de inocente vai cair na conta do Efeito Colateral.

Os novos Transformers devem estar prontos para a guerra a partir de setembro. Os Caveiras ganharão quatro; a Core, dois; o Choque, dois. A poliçada está ansiosa para fazer peneira da bandidagem com os novos brinquedinhos.

A brincadeira sangrenta de bandidos com farda e sem farda, patrocinada pelo Estado, traz no parachoque blindado a fatura de 7 milhões. Os bocós de dentro e fora da favela, que pagam suas contas e seus impostos, devem se perguntar: até quando as demandas estruturais das comunidades, como saúde, educação, moradia, saneamento, trabalho e renda serão atropeladas pela política da faca na caveira?

 

Tapume Olímpico 

O projeto de pacificação de algumas das centenas de favelas no Rio, no osso e no toco, é o seguinte: troca-se o fuzil do bandido magrelo pelo fuzil do PM barrigudo. UPP sem mudanças estruturais é apenas  ocupação militar. No mais, até os cachorros que reviram o lixo na favela do Rato Molhado sabem que a venda do bagulho continua no sapatinho em todas as comunidades ocupadas. Cabralzinho finge-se de cego e, ainda assim, ganha a fatura política. A chamada UPP Social continua na prosinha demagógica. Os “pacificadores” pretendem levar segurança às áreas turísticas e aos trajetos que serão feitos por atletas e integrantes do Comitê Olímpico. Nessa estratégia do tapume, a Zona Sul, onde fica a maioria dos hotéis, já foi pacificada. As favelas da região do Maracanã, onde serão as festas de abertura e encerramento dos Jogos, também estão com o território ocupado. Diante da lógica do cinturão olímpico, os próximos passos devem ser rumo à região de Deodoro, onde também serão realizadas competições.
Enquanto isso, centenas de bocas de fumo continuam devorando a Zona Norte e a Baixada.

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De quem é esse jegue?

 É com muita satisfação que comunico a criação da nossa ONG “De quem é esse jegue?”.

A organização nasceu da indignação ao vermos um amigo sofrer  transtorno de personalidade após manter  assinatura da revista Veja durante dois anos. Ele passou a comportar-se de forma estranha. A tecer diferenças desatinadas entre jumento, mula, burro, jerico, jegue e asno. Dizia ser um jegue e não um jumento. Seu comportamento ficava mais agressivo à medida que lia os artigos da Veja. Tudo piorou quando ele passou a dizer que Reinaldo Azevedo era seu pai e Diogo Mainardi, sua mãe. 
Antes que pudéssemos fazer uma intervenção, ele desapareceu. Dizem que foi visto lá em São José da Caatinga, oferecendo-se como animal de carga.
Nosso objetivo é prestar atendimento psicológico e psiquiátrico aos cidadãos que foram vítimas de sequelas e traumas causados pela exposição ao monopólio dos meios de comunicação. 
Com um mês de funcionamento, já tivemos a percepção da dimensão devastadora dessa dependência. Já atendemos casos de deficiência cognitiva em razão da superexposição ao BBB e casos de overdose por teledramaturgia global. Houve um paciente que dormia embaixo da cama por achar que comunistas iriam abduzi-lo. Após duas sessões, descobrimos que a causa dos delírios era a leitura da coluna do Arnaldo Jabor no jornal O Globo. 
O monopólio da informação é a forma extrema de loucura.

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 A apetitosa Academia Brasileira de Filosofia

A gastronomia é um ramo da filosofia que abrange a Ética, a Estética, os materiais usados na Lógica e, em geral, todos os aspectos culturais a elas associados. Um gastrônomo é uma pessoa que se preocupa com o refinamento metafísico da alimentação, incluindo não só a forma como os alimentos são preparados, como também sua epistemologia, ontologia e a imanência do ser nas refeições.
Por essas razões, Roberto M. de Azevedo, que durante 22 anos foi crítico gastronômico do Jornal do Brasil, sob o pseudônimo de Apicius, é o patrono da cadeira 41da nossa saborosa ABF.
Bon appetit!!!

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Revoluções, Involuções, Florações…


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Nesta quinta, mais uma vez cumpri um ritual. Ir a um bar que sempre tento que seja português, com minha camisa do Partido Comunista Português, uma pequena garrafa de vinho português presenteada pelo meu querido André Conforte, minha bandeira de Portugal e “Grândola, Vila Morena”, composição de Zeca Afonso que serviu de senha para o início da Revolução dos Cravos no mp3 e na mente, em sotaque português e tudo. Por poucas horas, ali na Muda, algumas boas talagadas de geladíssima cerveja e goles de vinho do Porto, bandeira lusa desfraldada, brotou e se ergueu um metro quadrado de consonante Portugal em riste e floral. Já não era só Portugal, era querer fazer, querer ser.

Pra quem ainda não percebeu, Portugal me encanta muito. E a Revolução dos Cravos é um processo empolgante, arrebatador, sem falar em seu rastro de lirismo, representado na entrega de flores aos soldados pela população celebrando a plenos pulmões nas ruas e entoando ao lado do hino português, a canção que se tornou o canto de liberdade permanente em terras lusas. Aliás, a extensão e sentido histórico do processo ultrapassa em muito o país, encaminhando-se pelo Atlântico, vai ser liberdade também em África para cinco nações: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Enfim livres pelos ventos de abril…

25 de abril

[Artistas e intelectuais na casa de Saramago e de Pilar cantando “Grândola…”]

E já que tamos a prosear sobre a Revolução dos Cravos, tema em parte já abordado em Apertos, aberturas, abris, há poucas semanas, aproveitando a deixa, e gerando a sempre habitual digressão (mas, desta vez, nem tanto), é oportuno lembrar o filme Capitães de Abril, de Maria de Medeiros. O filme é de 2000, produção portuguesa e conta a noite de 24 para 25 de abril de 1974 numa versão ainda mais lírica, tendo por pano de fundo uma envolvente história de amor. Filme emocionante e tem, de quebra, a trilha sonora do Madredeus. Um dos grandes filmes de toda a minha vida!

Alvaro_Cunhal_pmatos

Álvaro Cunhal, 1913-2005

Neste ano, ainda há o centenário de Álvaro Cunhal, falecido em 2005, possivelmente, o mais emblemático Secretário-Geral do PCportuguês e perseguidíssimo durante a vigência do governo fascista em terras lusas. Camarada Cunhal, PRESENTE!

25 de abril sempre, como dizem os tugas. Mas, hoje, Portugal lembra tão pouco a empolgação de 1974. Portugal, Espanha e Grécia. As três nações que seguiram com governos fascistas após a 2ª Guerra são as mesmas que ficaram à margem do desenvolvimento europeu central (em moldes capitalistas, claro!). Mas aí é uma daquelas questões ovo-galinha: ficaram à margem por terem prosseguido “desalinhadas”, devido aos governos fascistas ou permaneceram tanto tempo no pós-Guerra governadas por esses governos por já estarem à margem?

A questão é que hoje os trabalhadores desses cantos da Europa parecem ser os mais precarizados. Em meio a tudo isso, os partidos comunistas locais parecem estar conseguindo se tornar referências crescentes pras populações. Infelizmente, também cresce a escória nazista. Crises como essas, sempre abrem espaço pra essa extrapolação capitalista de extremíssima direita. No fundo, uma radicalização do sempre excludente capitalismo.

Nesta quinta-feira, 25 de abril, o professor Giovanni Alves disponibilizou seu documentário sobre a crise atual de Portugal. Fica a dica.

É preciso refletir sobre Abril. No entanto, mais preciso ainda é ir além d’Abril!

As crises do capital não são um infortúnio. São intrínsecas ao seu próprio funcionamento. O capitalismo vive de tensionar um elástico, o do próprio mecanismo de reprodução do capital. É bem simples. O sistema, pra funcionar bem e fazer sentido nos moldes em que se propõe, precisa de poucos muito bem estabelecidos e muitíssimos ferrados na vida. Ocorre que os ferrados não podem estar tão prejudicados que não mais possam consumir os bens dessa minoria. Isso é que reproduz capital. É uma relação delicada e que está sempre sujeita a “desajustes”. Daí as crises, por isso estruturais. A questão é se pode se dar uma crise que interrompa de modo irreversível o mecanismo de reprodução. Não esqueçamos, contudo, que o capitalismo é muito flexível. Há, por exemplo, as guerras como grandes repositórios de capital; há os mercados ainda não suficientemente integrados ao capitalismo mundial, parte da Ásia, com destaque para grande parte da população chinesa e indiana, muito do mundo muçulmano, a maior parte do continente africano; há o capital especulativo que é risco, mas também benesse pro próprio capital. Enfim, não dá pra profetizar nenhum fim do sistema por apodrecimento. E mais, o socialismo não é algo que possa vir a suceder o capitalismo por osmose ou determinismo histórico. Ele há de ser construído. E isso já começou: 1917, a resistente Cuba, Rosas Luxemburgos, Gramscis, Fideis, Ches, Lenines, Bukharins e outros mais por vir. É preciso disputar a sociedade na base do sistema e em sua ideologia, tarefas trabalhosas, árduas e prolongadas. É preciso lembrarmos sempre que, afinal, o socialismo não é uma contraposição do capitalismo, mas sim sua proposição de superação, segundo os pressupostos marxianos (marxiano se refere ao que é do próprio Marx, ao passo que marxista, ao que é sobre Marx).

Há mais de uma década os Partidos Comunistas do globo têm se encontrado e debatido a conjuntura e a estrutura do mundo. Animador! Não se sabe ainda no que isso dará. Eu gostaria que se construísse daí a IV Internacional, mas isso não está dado. De todo modo, é um patamar já superior de observação, discussão e intervenção em favor dos trabalhadores.

Com certeza, o momento em todo o globo é de preocupação pra uma perspectiva exitosa de enfrentamento com o capital. Há décadas, a cada novo movimento popular, a cada manifestação, ouço alvoroços de retomada de mobilização, etc. Na verdade, sou um pouco pessimista quanto a essas avaliações. Como dizia Lênin, “pessimista na análise, otimista na ação”. Creio que, desde o fim do Leste Europeu, a situação piorou muito tanto em nível material quanto ideológico. O bloco socialista era um importante referencial no plano concreto, já que levava a ganhos também os trabalhadores do mundo capitalista e desempenhava importante papel na referência, com todos os problemas que lá houvesse, de contraposição cultural ao capital. Um exemplinho bem simples que sempre repito. Houvesse bloco socialista, alguém tem dúvida que, por exemplo, as pesquisas de cura pra aids estariam já há anos noutro patamar em todo o mundo? É verdade que havia a Guerra Fria, mas tudo tem um preço, né? Era melhor que a guerra cotidiana promovida hoje contra os mais básicos direitos trabalhistas em todo o mundo.

Desde o estabelecimento global do neoliberalismo, voraz e violento que é, nossas lutas se tornaram defensivas. Perdemos a perspectiva de proposição. Quem só resiste, pode impedir que o muro desabe sobre si, mas continua com a pressão do muro sobre seus braços. Isso tem sido a nossa luta. Sempre estamos a correr atrás do prejuízo e nossa pauta de lutas não mais nos pertence; é toda ela estabelecida por nossos inimigos.

Brecht já falara sobre momentos como esse:

Aos vacilantes (Bertold Brecht)

Você diz:

nossa causa vai mal.

As trevas aumentam.

Nossas forças diminuem.

Depois de termos lutado tantos anos,

estamos numa situação pior do que a do começo.

E o inimigo está mais forte do que nunca.

(…)

Cometemos erros, não se pode negar.

Nosso efetivo está reduzido.

Nosso discurso está confuso;

e uma parte das nossas palavras

foi distorcida pelo adversário até se tornar irreconhecível.

O que é que está errado no que nós dissemos?

Alguns pontos? Ou tudo?

Com quem devemos contar, ainda?

Somos apenas os restos de um naufrágio que o rio deixou

nas margens, abandonados,

antes de continuar sua viagem?

Estamos ultrapassados?

Não compreendemos mais nada

e ninguém mais nos compreende?

Precisamos ter sorte?

É o que você pergunta.

Mas não espere resposta

a não ser de você mesmo.

[tradução: Leandro Konder]

A resposta que sempre encontro em mim mesmo é que há de se ter, como guia, a perspectiva histórica. O primeiro artesão que se estabeleceu no primeiro burgo, embora não tivesse a menor consciência disto, já estava a construir a Revolução Francesa. Penso que se trata disso. A construção da Revolução Socialista, qualquer que seja sua história, não será feita tão somente pelos que vivenciarem in loco e in tempora esse processo. Cada esforço que tenha feito parte desse percurso histórico já é a construção da própria revolução. É assim que poderemos arrancar as alegrias ao futuro de que nos falara Maiakóvski, como quem arranca cravos e os empunha sobre fuzis.

É preciso ambicionar a primavera inteira em esplendor. Contentar-se com a sobrevivência ou floração desta ou daquela flor, por mais que seja aprazível ou visualmente belo, não faz desabrochar o mundo que há por vir, em novidades de humanidades ainda não alcançadas (é esse todo o esplendor em que creio!), e nos riscos, claro, que envolve a busca por essas flores a nascer…

mafalda- flor

“Que a terra gema em sua mole indolência:
“Não viole o verde das minhas primaveras!”
Mostrando os dentes, rirei ao sol com insolência:
“No asfalto liso hei de rolar as rimas veras!””

[Trecho do poema Blusa Fátua, de Maiakóvski, tradução: Augusto de Campos]

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Sexta de textos: na cesta das ideias de Ana Souto


violencia mulher

MANIFESTO PARA VIR UM TEMPO EM QUE NÃO HAVERÁ  MULHERES, SÓ HUMANOS *

Vamos abolir os géneros e as feministas recalcadas!  Abaixo os machistas ! Somos tod@ s transgêner@ s, transgénic@ s, transgeni@ is !  Vamos aproveitar o 12 de maio para enfiar nossas rosas comemorativas no rabo do marreco da culinária do Paraná onde se mata mais mulheres por ano do que na Colômbia, no Belize e no Cazaquistão a pedra e paus duros que entram sem ser convidados em quaisquer Evas, Doninhas, Sinhazinhas, Negrinhas, Menininhas, grandinhas e pequenininhas, criaturinhas portadoras de buceta, cu e tetas, boas de apertar, de furar, de foder ou não tão boas porque não se oferecem ou se oferecem, porque dão ou não dão, porque falam ou calam, porque gritam ou choram, todas entupidas de hormônios todo mês à espera da fecundação onde está dada a sina, seja mulher ou menina, este corpo  é da  disciplina, da lei que pune e ensina com berro ou com sussurro, prepara o ferro pra passar a roupa da boneca, não pode ser careca, não vá ser gorda ou cair do salto, não esqueça do batom, tem que saber o que é bom, tem que ser boa, correta, tem que andar em linha reta, trabalhar, produzir, sorrir, pedir, comportada, discreta, evitar o escândalo, a loucura, cuidado com a secura, nas palavras, mãos e cotovelos, não dispense o espelho, não esqueça o creme hidratante, dispense aquele farsante, crie os filhos com sacrifício, santa, mártir, mãe valorosa, nunca deixe de ser rosa, nunca ceda aos espinhos, o caminho que você constrói é todo feito de ternura e se a dura vida destrói não ceda, não denuncie, espere até  que apareça, uma nova era menos cínica e mais humana, onde a grana não dite teu destino de Afrodite descaída, cansada e fodida. Novas eras virão e a vida talvez não pareça com esta farsa dantesca e neste dia aconteça da verdade vir à tona.

* Este texto nasceu do diálogo com https://transversos.wordpress.com/2013/04/04/vozes-autorizadas-o-poder-que-cala/.

Robinson Crusoé tinha seu Sexta-feira. Nós, do Transversos, temos, às sextas-feiras, Ana Souto. Como Crusoé, somos náufragos em ideias remotas. É na sexta que bebemos da liberdade e podemos nos sentir mais “Soutos”. Solte-se você também para os transversos, envie sua contribuição para bloguetransversos@gmail.com

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Educação em ruínas


educacaoemrevista.wordpress.comTinha 22 anos quando cruzei pela primeira vez aqueles corredores para lecionar à noite. Estranhava modos, jeitos, trejeitos. Estranhava o vocabulário e a falta de cortesia. Aprendi outra forma de expressão. Valeu, shock! Aprendi que eles não iam pra lá só pra aprender. Eles também queriam ensinar, eles queriam ser protagonistas da aula e da vida e a mim cabia o papel de estimular-lhes a verve criativa, política, cidadã.
A despeito do desânimo de profissionais massacrados por diferentes gestões estaduais de educação, seguia com um pequeno grupo dado a sandices, grupo do “apesar”. Grupo que errava tentando acertar, grupo que tirava o troco pouco quase nada do bolso para investir em material para incentivar o protagonismo. Grupo reconhecido a cada nova formatura pelo conjunto de alunos que manifestava carinho em forma de homenagem.
O mesmo grupo que agora de conjunto só guarda a lembrança. Separado, mas não afastado, esse grupo segue entre utópico e saudosista. Cada professor em uma escola, uma nova realidade; outros fora dela, destino a que muitos se rendem. Vivemos no modo de produção capitalista. É preciso vender a força de trabalho.
Aquela escola de 15 anos atrás já não existe. Não, não foi Heráclito que disse. Foi o professor de geografia meu amigo que lá esteve em busca de um documento. A vida que pulsava naquelas 17 turmas – terrível a 1004, sempre terrível! Que saudades do Sanchaine, aquele moleque inquieto e desafiador de cabelos cacheados e resposta na ponta da língua! -, pois bem, a vida que pulsava se dispersou em 4 salas de aula.
A escola não tem direção. Literalmente. Quem busca um documento oficial não tem quem o assine. Ninguém responde por ela, ninguém a quem se recorrer, ninguém a quem se responsabilizar. Contagem regressiva para o cerrar definitivo de portas. Antes as estratégias eram mais sutis. Implantavam o Telecurso em paralelo às aulas. Um conjunto expressivo de alunos migrava para o engodo monológico. Depois, por falta de pagamento, o projeto ficava pela metade e, para não prejudicar os alunos, a escola os acolhia novamente nas turmas. Eles vinham confusos, envergonhados como se estivessem a querer passar a perna nos demais, quando apenas exerciam o direito de escolha diante das possibilidades de formação oferecidas.
O projeto de destruição da rede estadual está a pleno vapor. Não bastassem todos os prédios alugados, todo tipo de terceirização, todo tipo de opressão – assédio moral, liminar contra exercício do direito de greve – o que se vê claramente agora é mais um desrespeito para contabilizar a desimportância das necessidades dos mais pobres. Agora extingue-se a possibilidade de dar acesso à escolarização àqueles que não o puderam fazer na “idade própria”, extingue-se a “oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência” (LDB, art. 4º, inciso VII).
Quem construiu a Tebas das sete portas? Quem estabelece o dialogismo pedagógico como norte? Quem precisa de espaços para exercitar as falas não consensuais? Qual é, por excelência, o espaço de circulação de novas ideias e saberes e sabores? Tantas histórias, quantas perguntas…

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Balance e role sem fronteiras (Degustação musical para “paladares” auditivos exóticos)


Rock’n’roll, assim consagrado no mundo inteiro. Uma conclamação a, literalmente, balançar e rolar. Como sou sempre defensor dos aportuguesamentos, vou usar roquenrol e roque, neste texto. Aliás, o texto é justamente sobre bandas que, ousadamente, fazem roque fora da língua inglesa e que são, no geral, bem pouco conhecidas. Por essas razões, algumas bandas interessantes, não passearão por este texto, como os noruegueses do ótimo Madrugada, os finlandeses do lírico Husky Rescue, os envolventes belgas do Kawada, o college rock sueco do Perishers, os italianos do Lacuna Coil, que me foi recentemente apresentado (e muito me interessou) dentre outros grupos, já que cantam todos em inglês.

Preciso ainda estabelecer uma premissa e selar um pacto com você, leitor. Sou alguém que se relaciona com a música, pela perspectiva sonora, em si. Acordes, melodias, harmonias, instrumental: isso é que me toca (com e sem trocadilho) e me seduz na música. A letra, pra mim, é verdadeiramente secundária. Isso não quer dizer que não me interesse por buscar letras de música, mas, somente depois do plano musical em si me ter atraído. Portanto, sou alguém que não vê qualquer problema em ouvir uma música cuja letra não seja capaz de compreender (muitas vezes, quando gosto muito, procuro as traduções). Por tudo isso, preciso te convidar a se desprender da letra e apreciar privilegiadamente a esfera dos sons. Todas as bandas de que falarei são sons que ouço, algumas conhecidas há muito, outras recentemente. Todas frequentam meu mp3 e já até aprendi bastante coisa de fonética de alguns idiomas com isso. No mais, vale novamente a máxima de que é um texto pra ser escutado.

Há quase um mês, publiquei um texto em que já falara sobre roque português, MPP & Roque Tuga. Logo, não pretendo voltar a esses exemplos. Comecemos pela banda possivelmente mais famosa deste meu artigo: o Rammstein (fala-se “Hamstain”). A banda é, com certeza, o exemplo mais bem sucedido de roque alemão, em língua natal (afinal há o Scorpions), no cenário internacional. O estilo deles é entre o chamado hardrock e o metal, com um detalhe a mais: a utilização marcante do teclado, algo incomum no metal mais tradicional. Por essa característica, com grande repercussão na sonoridade geral e andamento das músicas e é comum que sejam classificados no enigmático rótulo de roque “industrial” (?!). Como é uma banda de que gosto demais, é muito difícil escolher canções pra exemplificar, mas vamos destas duas: Amerika, um dos melhores clipes que já vi e Feuer und Wasser. Claro que não posso deixar de registrar que parte de minha simpatia pela banda vem do fato de serem, fundamentalmente, da Alemanha Oriental (cinco dos seis integrantes).

Outra banda alemã que vale a pena ser ouvida é o Blutengel, com um pé bem fincado no gótico, a começar pelo nome (Anjo de sangue), seus temas são frequentemente melancólicos, o que é acompanhado pela sonoridade da banda, de que serve muito bem como exemplo Ein augenblick (aliás, essa letra é uma devastação). A banda alterna letras em alemão e em inglês.

Pra fechar a leva alemã, falemos do Rosenstolz, dum roque mais leve do que as duas últimas e com temáticas mais singelas. Na verdade, a banda faz um roque de feição mais pop. A banda é dos anos 90, mas só estourou na última década, já tendo mais de uma dezena de álbuns. Uma lírica canção: Liebe ist alles, porque afinal o amor é tudo mesmo.

Por afinidade geográfica, passemos ao roque esloveno, iniciando por uma banda também que foi um dos grandes achados meus dos últimos tempos, Siddharta. A banda também tende a um roque mais pesado. Suas letras, a quem se interessar, são de ordem frequentemente filosófica e existencial. Platina (um belo clipe, por sinal) e a melancólica Samo Edini são duas das pérolas da banda. E da Eslovênia, vejam vocês, ainda descobri o Big Foot Mama, banda de pouco mais de duas décadas já e com nove álbuns lançados. São uma das bandas de pop mais célebres do país. Mas, seu pop mais pesadinho tem boas viradas e uma guitarra bem postada. Ouçam só Led s severa. Ambas as bandas lançaram novos álbuns no último ano.

Prosseguindo no velho mundo, uma paixão minha em especial, o roque grego (todos que me conhecem bem sabem de minha relação afetiva toda especial com a pátria de Homero). Gostaria de falar também da música popular grega e da fabulosa Dimitra Galani, que, possivelmente, é pros gregos o que Chico Buarque é pros brasileiros. Mas, voltando ao roque helênico, uma das bandas mais tradicionais é o Ta Xilina Spathiá (fala-se “Ta Ksilina Spathiá [th como no inglês]). A banda faz um roque de apurada delicadeza instrumental. Seus acordes se dissipam numa homogeneidade na superfície da música criando quase que um acolchoamento à voz que canta acolhedoramente, como se ouve em Oi daimones (fala-se “I demones”). Saído da banda, sem rompimentos, o vocalista Paulos Paulidis (ou Pavlos Pavlidis) enveredou num roque ainda mais leve e reflexivo, baseado, muitas vezes, em violão. Em Leuké Kataigída, canta as “tempestades brancas” de nossa existência, em encontros e desencontros. Ainda da terra de meu xará Ulisses, tenho a apresentar o Pyx Lax. Os autores de Epapses Agaph Na Thimizeis são possivelmente a banda de maior sucesso do roque grego em vendagem. Em 2004, dissolveu-se. Ah, tem um amigo a quem já apresentei o roque grego e o classifica como “roque metafísico”…

Da Bélgica, temos o Vive la Fête, cantando em francês. É possível que seja mais famosa do que o Rammstein, ao contrário do que disse acima, até por abarcar um perfil de de público mais amplo. A banda já veio ao Brasil três vezes, em Recife, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e São Paulo. O duo faz um roque de intensa roupagem eletrônica, o que faz com que muitos nem os caracterizem propriamente como roque. Em Noir Desir, canta-se louca e alucinadamente num ritmo de peso crescente até a histeria, afinal C’est la manie.

Da boa e velha Rússia, enquanto não volta o socialismo, vamos de Splean, uma das mais bem sucedidas bandas de roquenrol do país de toda a história desde os saudosos tempos da União Soviética. O nome da banda deriva da expressão inglesa spleen, em sua acepção de depressão. Aqui uma bela canção, Maiak, sublime homenagem ao poeta Maiakóvski.

Mas rumemos a uma língua mais próxima. O Ñu é das antigas, de 1974 e faz um som bem diferente, com certa ambientação musical de instrumentação medieval, com baterias e guitarras pesadas e uma indiscutível influência progressiva. Muitas de suas belas letras são críticas e politizadas, como em La danza de mil tierras. A banda espanhola ainda tá na ativa e lançou um álbum ano passado. Uma de suas grandes influências assumidas e o magnífico Jethro Tull, em especial a figura emblemática de Ian Anderson (vocalista, flautista e showman). E, já que falamos da Espanha, por que não o País Basco (Euskadi, em basco), república independente? O Kortatu é das mais populares bandas do país de quase três milhões de habitantes. A pegada punk, bem evidente em Sarri Sarri é mais do que perceptível. Pra contrabalançar a nefasta presença punk (qualquer dia escrevo sobre isso aqui), um artigo do meu querido Evandro Von Sydow (‘brigado, meu caro!), em seu blogue, A vida numa Goa, sobre a cena progressiva basca dos anos 70.

E já que falamos de progressivo, essa é, muito provavelmente, a vertente de roque que mais frutifica fora de língua inglesa pelo mundo, desde os anos 70. Talvez, nessa segmentação, a música em si fique tão mais em primeiro plano que se tenha aberto, de fato, uma margem muito mais ampla a vozes não anglófonas. Muitas, vezes, aí campeia o progressivo ao lado do experimentalismo, o que vemos, por exemplo, no Solaris, tradicionalíssima banda húngara, conhecida mundialmente por fãs de progressivo, na estrada desde 1980. Não conheço toda a sua produção, mas sei que, pelo menos, a maior parte é de instrumentais maravilhosos, como em Marsbéli Krónikák (bom demais!), canção em 5 partes das quais trago a primeira apenas, do álbum homônimo. Na mesma vertente dum progressivo fundamentalmente instrumental, o Fermáta, da Eslováquia, que parece ter tom mais intimista e menos grandiloquente, como em Postavím Si Vodu Na čaj, se comparado ao Solaris, mas também indicadíssimo pra apreciadores do prog. E não dá pra falar da cena progressiva sem falar da Itália, a nação da pizza e do prog (por adoção mesmo)! O Evandro Von Sydow vai me considerar um herege, mas vou trazer apenas uma banda pra ilustração, mas que dá conta de apresentar muito bem os italianos, Il Balletto di Bronzo, em Secondo Incontro, do álbum Ys, de 1972 [e o prog italiano, pra quem quiser se aprofundar neste mundo de tons: http://en.wikipedia.org/wiki/Italian_progressive_rock%5D. E, nessa mesma vaibe prog, temos também O Terço, e é do Brrrrrraaaaaaaasillllllll! Na labuta desde 1968, dividem com Mutantes a vanguarda da herança progressiva e de roque tradicional de primeiro nível no país. Em Solaris, dá pra perceber o progressivo “puro” da banda que caracteriza mais suas primeiras décadas de carreira.

Na fria, na verdade gélida, Islândia, deparamos com o Sigur ros (fala-se “si ur rous”). Seu roque é duma “textura” musical quase diáfana. Há quem os considere New Age ou próximos. Enfim, faça seu julgamento: Svefn-g-englar.

Agora, o que mais foge da expectativa de roquenrol, em termos geográficos, ainda está por vir.

Da Palestina, em meio às agruras mil de lá sobreviver, encontramos o resistentíssimo Lenses, cuja página deixo aqui lincada (http://lenses.bandcamp.com/). Um roque versatilíssimo, como precisa ser a vida na Palestina. Mas há a mais do que audível participação de instrumentos de tradição árabe. Em Golda (aliás e ironicamente, típico nome hebraico [não se trata duma canção amistosa]), percebemos bem claramente isso.

E uma de minhas bandas preferidas de todo esse texto: o Sume! Uma deliciosa banda da Groenlândia. Cantam em inuit (idioma estudadíssimo na primeira metade do séc. XX pela Linguística), língua nativa. Pioneiros do “roque esquimó”, começaram em 1972. Misturam elementos do típico country e uma melodia levemente flertante com o progressivo. São críticos do colonialismo dinamarquês em suas terras, o que é tema constante deles. Pra ilustrar, embora me seja difícil selecionar, dentre as pérolas do Sume, Naluaara ilisimaneraa e Qaallorimmi Illinersiorata.

Pra concluir, o roquenrol indígena do Vayijel, cantando em tzotzil, a língua dos maias, hoje falada no estado de Chiapas, México. Ouçam que sonzeira boa: Vaichil! E o Youth Yiindi, formada por aborígenes australianos que cantam em inglês e em língua nativa um roque bem pop e dançante, com vários instrumentos também nativos, como bem mostra Yoingu boy.

Enfim, foi uma viagem pelo roquenrol sem fronteiras. Se gostou da sonoridade de alguma banda, não se acanhe. Vá nos vídeos associados, no google e descubra mais sobre ela, afinal roquenrol é música, portanto linguagem universal, que pode ser sentida em qualquer idioma (ou mesmo sem idioma algum). O roquenrol, tal qual a classe trabalhadora, é internacional!

Roquenrol-me...

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Moanews


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A toga da mironga do kabuletê I

O CNJ é visto pela sociedade como um órgão independente e de controle externo do judiciário. Mais uma empulhação da Toga, de estrutura verticalizada, centralizada e hierarquizada.

O chefão do CNJ é o presidente do STF, numa barafunda de contrassenso administrativo com conflitos de interesses. Os conselheiros são indicados pela cúpula togada, completando a verticalíssima composição. O projeto inicial de um controle externo e social anda de quatro até hoje.

Para compor a mesa do Conselho, segue a empulhação: os ministros do STF indicam seus apaniguados, o Senado chancela os partidários e o presidente da república nomeia os apadrinhados e as amadrinhadas. A promessa de uma resolução para regulamentar o processo de escolha dos conselheiros virou piada de salão.

A toga da mironga do kabuletê II

Barbosão, o quizilento quizumbeiro, cospe nos princípios da impessoalidade e da moralidade, que norteiam a administração pública, ao nomear seu pupilo, assessor de imprensa, biógrafo e sei lá o que mais, para presidir o conselho deliberativo do milionário fundo de previdência dos servidores do Judiciário.

A estimativa é que a dinheirama do novo regime seja maior do que a da Previ do BB, coisa da ordem de R$ 150 bilhões.

Um chefão da magistratura disse que o pupilo do quizilento, de Fundo não sabe o raso. Na retranqueira, o apaniguado jura que já participou de “diversos congressos de fundos de pensão, além de seminários sobre o setor”. Mais um causo para o folclore bestialógico de Brasilândia.

Image Prêmio Carlos Lacerda de Jornalismo

Aprenda com Merval Pereira a fazer carreira no jornalismo, escrevendo exatamente o que pensa seu patrão. De quebra, você ainda ganha uma vaga rotativa na ABL.
“A vitória por menos de 2% dos votos não apenas dá margem à desconfiança sobre a lisura do resultado na Venezuela como garante ao candidato oficial Nicolas Maduro apenas os primeiros 3 anos de mandato, e olhe lá”.

Esse ”…e olhe lá” carrega o verniz golpista bem ao gosto dos patrões Marinhos.

Por ocasião do golpe parlamentar no Paraguai, Merval teve a pachorra de dizer que “… não é possível classificar de golpe o que aconteceu no Paraguai sob pena de darmos razão ao hoje senador Fernando Collor de Mello…”. E, continuando com seu delirium tremens, arremata: “A ameaça de expulsar o Paraguai do Mercosul… pode servir aos interesses da Venezuela.”

Senadores apresentaram as acusações e ―em dois dias―, cassaram o mandato de Lugo. Os parlamentares deram menos de 24 horas para a defesa. O presidente teve duas horas para apresentar sua argumentação ao plenário. Em 48 horas destituiu-se um presidente e o sabujão cacareja que “tudo estava dentro das normas constitucionais”? Na saída ainda faz a cagada de insinuar que a pressão diplomáticas dos países do Mercosul seria uma manobra para favorecer a Venezuela.

 ImageStupid hallway

O insuperável vazio da mente humana faz girar a roda do noticiário. Quando achávamos que nada superaria a idiotice do Harlem Shake, surge na Internet o “Hallway Swimming” (Natação de Corredor), que mostra seres lesmentos, esgueirando-se de um lado para o outro. O sucesso dos vídeos é instantâneo, as notícias surgem e a filmagem é publicada em diversas páginas e veículos de imprensa do mundo todo.

Tente você mover uma ideia voltada para o coletivo e sentirá o peso da luta contra a desigualdade e a injustiça; filme onze segundos de Hallway Swimming e sinta a leveza da bestialidade correr o mundo.

O ser humano é tosco, suas idiotices é que são de uma riqueza e diversidade esplendorosas.

 Image

Emenda Danuza Leão

Bancada do PSDB encaminhou uma emenda propondo zerar a multa do FGTS para os patrões que demitirem as domésticas sem justa causa e reduzir, de 20% para 8%, a alíquota do INSS.

O cigarro adverte: os tucanos são prejudiciais aos trabalhadores.

ImageO cigarro ainda adverte

As Organizações Globo criticam o governo brasileiro por este ter reconhecido o governo do novo presidente da Venezuela. No subterrâneo dos interesses, não há registro desse monopólio empresarial condenando o governo dos EUA, que reconheceram, de pronto, dúzias de regimes ditatoriais, seguidos de um golpe de Estado.

O cigarro ainda adverte: a Rede Globo é prejudicial à informação.

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23


Cronos. Dum tempo em que tempo não era dinheiro, não era relógio, não era sequer tempo, sem perdas ou ganhos. Cronos, da segunda geração do Caos. O tempo em si. Concreto, pujante, sobrepujante.

O tempo concreto e abstrato num só tempo. Num tempo sem sempres nem nuncas. O que são sempre e nunca? Existem ao menos? Sempre e nunca talvez sejam apenas dois pontos de vista da mesma impossibilidade, de fora de qualquer tempo. E o que é melhor ou menos aflitivo: o futuro do pretérito ou o pretérito do futuro? Não é mero jogo de palavras, é sentido e efeito.

Ah, uma digressãozinha prum poema meu, já publicado em TRANSVERSOS, na primeira publicação da seção Desengavetando, que tematiza isso:

TEMPOS TANTOS

Não há mais tempo

para se dar um tempo.

Em tempos d’outrora,

de tênue aurora,

tempos sem horas,

por ora passados,

passávamos o tempo

em contemplamentos.

No momento,

o tempo d’alma

contém tenazes intempéries

de intempestivas tempestades,

em tempo,

sempiternos

temporais.

Cronos, deus imortal, imorredouro. Mas nesse mesmo ponto repousa uma das grandes sagacidades filosóficas da história humana. Me refiro aos deuses de crenças monoteístas, que se fizeram eternos, ao invés de imortais e assentaram nessa eternidade e eternitude seu poder divino. Então, o eterno sobrepujou o imortal.

Cronos que é Tempus, mas não é Saturno. Cronos, grego; Saturno, romano. Dois entes distintos. Não, não existe mitologia greco-romana! A relação entre gregos e suas divindades e distinta da dos romanos. Aliás, as divindades são distintas. Essa simplificação grotesca de mitologia greco-romana ofenderia a ambos os povos (muito mais aos gregos, penso, mas pode ser minha leve pinimba helenista com latinistas). Zeus e Júpiter não são o mesmo deus com nomes diferentes. Há casos de distinção bem mais evidente. Eros decididamente é muitíssimo diferente daquele atiradorzinho de flechas romano. E o que dizer de Afrodite e Vênus? Afrodite é tia-avó de Zeus, ao passo que Vênus é filha de Júpiter. Vênus e Marte mantêm afinidades que inexistem entre Afrodite e Ares. Os oráculos de Apolo devem se revirar milenarmente nas tumbas por o deus Febo ser tomado pelo romano Adônis. E por aí vai… Então, por que se insiste tanto nessa confusão terrível? Em primeiro lugar por desconhecimento mesmo e reducionismo. Ignora-se que o que havia entre o culto religioso romano e o grego era uma relação de sincretismo, tal qual verificamos, hoje, em nosso país, entre umbanda e cristianismo. Alguém diria que Ogum (ou Oxossi, noutros locais, né? Não manjo muito dessa mitologia) e São Jorge são o mesmo ente? Ou pior, alguém falaria em crença, mitologia ou religião Cristiano-umbandista?

O tempo inclemente, incomensurável, indecifrável, tal qual esfinge sem nenhum maldito bastardo Édipo a desafiá-la…

[Se achar que deve pausar a leitura aqui, sinta-se à vontade; afinal, há uma obra-prima na pista!]

tempo4

E eu aqui a escrever, esvaindo-me em tempo, dilacerando-me em irreversibilidades aquém do sempre e além do nunca…

dalí- a persistência do tempo

“A persistência do tempo”, Salvador Dalí.

Tempo, seta unidirecional de passado a futuro, uma consumação termodinâmica do princípio da Entropia. Por sorte nossa, uno e indivisível, propriedades dum verdadeiro deus! Vivemos num Universo viável porque lidamos com uma única dimensão de tempo. Fosse duas, três ou mais, quebrar-se-ia toda a rede de causalidade da forma como a conhecemos; noutras palavras, não haveria nada que impedisse que a consequência precedesse a causa, caso o tempo estivesse estruturado num eixo de coordenadas xy ou tridimensionalmente, por exemplo. Num universo dessa feição (que talvez exista ou já tenha existido− é só pensar em Multiverso, proposição física bem séria e muita prestigiada, em especial, pelos roteiristas da DC Comics), não haveria possibilidade de formação de estruturas que dessem suporte à vida). É o famoso princípio antrópico: o universo é como é, porque aqui estamos para atestá-lo; fosse doutra forma, simplesmente, não existiríamos. Se o tempo fosse mais do que unidimensional, talvez não fosse possível, pela percepção, distingui-lo do espaço. Parece absurdo, em princípio, não? Mas, ora, num universo de tempo confinado em eternidade a uma única dimensão, isso já ocorre, como bem atestam formulações linguísticas, não só do português, em que tempo e espaço são apreendidos como equivalentes. Pensemos em expressões como Daqui pra frente, tudo vai ser diferente ou Esse lugar fica a 45 minutos daqui, e por aí vai… Em Linguística Cognitiva, já se sabe, há tempos, que a linguagem decodifica tempo por espaço. É fascinante!

O tempo, portentoso Cronos, senhor de destinos. Deus na Física relativística, um notório desconhecido na quântica. Sim, o mesmo tempo que está no epicentro da revolução de Einstein (essa semana, em 18 de abril, completou-se o 58º ano desde sua morte) e sua Relatividade, não faz parte do universo quântico ou de suas previsões e cálculos. Pra Física quântica importa a incerteza! É legal dar uma esclarecida nisso. A física quântica advoga que não é possível medir, simultaneamente a velocidade duma partícula e sua posição. É o chamado Princípio da Incerteza. É pra ilustrar esse princípio que surgiu o famoso experimento mental do Gato de Schrödinger. Passo diretamente à citação do verbete da Wikipedia, para tanto, satisfatório: “Um gato, junto com um frasco contendo veneno, é posto em uma caixa lacrada protegida contra incoerência quântica induzida pelo ambiente. Se um contador Geiger detectar radiação então o frasco é quebrado, liberando o veneno que mata o gato. A mecânica quântica sugere que depois de um tempo o gato está simultaneamente vivo e morto. Mas, quando olha-se dentro da caixa, apenas se vê o gato ou vivo ou morto, não uma mistura de vivo e morto.”. Eis a incerteza do estado quântico.

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Considero quase poético pensar que um ramo tão produtivo da Física esteja assentado na incerteza. Sendo um tanto profanador (como de hábito o sou mesmo) e reducionista, mas em prol de lirismo, poderia então dizer que a Mecânica Quântica é um pensar científico por imprecisões (Santa heresia, Batman!). é um princípio, aliás, difundido dentre muitos físicos tanto relativistas quanto quânticos, que não há perfeição no Universo, ou seja, a existência é o que é graças às imperfeições de si mesma. É graças a pequenas imperfeições que existe o Universo da forma como o conhecemos. Se toda a matéria ejetada no Big Bang se distribuísse homogeneamente não haveria planetas, estrelas, ou qualquer outro corpo nesta vastidão de espaço-tempo. Foram pequenas imperfeições, com uma ligeira concentração de hidrogênio e/ou gás maior aqui e ali que permitiu que os primeiros protocorpos estelares se formassem. A partir daí, chegamos aos sistemas complexos com que hoje convivemos aos bilhões de bilhões de bilhões…

Por falar na Santa Mecânica Quântica, nesta próxima semana, em 23 de abril, relembramos o nascimento do pai da Física Quântica, Max Planck, nascido em 1858 e Nobel em 1918. Ao lado de Einstein, o homem que revolucionou a forma de se ver a existência no início do séc. XX. Muita gente não sabe disto, mas a Relatividade e a Mecânica Quântica são contemporâneas. Por alguma razão que não compreendo a Relatividade, sobretudo em sua equação e= mc2 se tornou pop e a Quântica “pegou fama de difícil”. O fato é que ambas são bastante anti-intuitivas (me refiro à intuição prosaica e banal da percepção do dia a dia) e com consequências bastante intrigantes. É interessante registrar uma declaração de Einstein sobre Planck:

“Um homem a quem foi dada a oportunidade de abençoar o mundo com uma grande idéia criativa não precisa do louvor da posteridade. Sua própria façanha já lhe conferiu uma dádiva maior!”

einstein planck

No mesmo 23 de abril, só que de 1994, é descoberta a partícula subatômica quark top, parte fundamental do quebra cabeças da existência. Agora, falta confirmar a existência do Bóson de Higgs (a tal “partícula de Deus”− eta nomezinho ridículo!) para que tenhamos uma descrição completa dum Sistema padrão de partículas.

Ah, mas talvez num capricho de Cronos, 23 de abril é data ainda mais instigante. É num 23 de abril que morre a camarada Olga Benário, sempre PRESENTE! Afinal, como vivemos num universo de imperfeições, essa data não poderia ser lembrada por fatos positivos. É na mesma data que o exército vermelho inicia sua entrada em Berlim. Após “ceder” 20 milhões de mártires na 2ª Guerra a Hitler, eis que a União Soviética, que efetivamente salvou o mundo do nazismo, deflagra a contraofensiva que definiria a história do conflito, bem como do restante do séc. XX. Não houve alvo mais voraz da insana perseguição nazista do que os comunistas. Somos inimigos fidalgais, como matéria e antimatéria. Hoje, é preocupantíssima a inserção que os partidos nazifascistas têm tido na Europa, em vários países. Porcentagem de votação de dois dígitos nas mãos desses facínoras é perturbador! Só não postarei aqui nenhuma imagem de divulgação ou texto atual desses vermes aqui pra não sujar abominavelmente essas linhas que tento tornar afáveis e apetecedoras. É asqueroso e nauseante!

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A bandeira soviética no Reichstag, parlamento alemão

Ah, que falta faz, pro mundo e pros trabalhadores, em especial, o Leste Europeu…

Segundo Posadas, o “trotskyista ufólogo”, uma empreitada da ordem de singrar o espaço-tempo só poderia ser empreendida pelo planeta unificado sob a égide do socialismo. Tendo a, pasmem, concordar com esse ponto, embora o decolar inaugural da Enterprise em 2151 nunca tenha dado margem a essa ideia.

Ah… e no lirismo do existir, Cronos brinca com as imperfeições do ser humano e nos brinda com 23 de abril, nascimento e morte de William Shakespeare e morte de Miguel de Cervantes. Aliás, o bardo de Stratford-upon-Avon e o pai de Quixote morreram exatamente no mesmo ano, em 1616. O primeiro é talvez o maior artista da história da humanidade. Poeta, dramaturgo, ator, o que Shakespeare nos legou é de valor incalculável acerca do ser humano desnudado em tempo e em espaço em suas imperfeições, tanto em seus dramas quanto nas comédias, num total de 38 peças, e nos memorabilíssimos 154 sonetos. Se só tivesse composto Hamlet, já seria um gênio, ou seja, falta caracterização que dê conta do legado do autor. Desde o teatro grego, não havia algo tão impactante na história das artes. Assim Shakespeare tal qual sua obra se fez plenamente imortal (ou será eterno?). E já antecipara as fenomenais revoluções, na percepção da realidade, vindouras pela Relatividade e Mecânica Quântica, pois sabia que “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia!”. E, Cervantes? Outro gênio renascentista. Fez das consagradas novelas de cavalaria medievais a caricatura de que tanto prescindia a literatura de seu tempo, materializada num dos mais cativantes, humanos e encantadores personagens da literatura universal, Dom Quixote de la Mancha, nobre fidalgo, tendo sempre a seu lado, o fiel escudeiro e parceiro Sancho Pança (penso que daí nasceu a noção de heróis com parceiros, sidekicks, o Cavaleiro Solitário [que não é o Zorro, por favor] e Tonto, Batman e Robin, Sherlock Holmes e Watson…). Shakespeare e Cervantes, sintonias sincronicamente eternizadas! Ofélia e Dulcineia passeando de mãos dadas, desnorteadas e saltitantes pela eternidade, enamoradas da existência!

[Um gênio homenageando outro]

dom_quixote

Ah… 23 de abril! Tão eternizada data! Um encontro de efemérides incomum, sem dúvida. Me pergunto se tudo não há de repousar nos mistérios do número 23. Há muitos números mistificados, o 3, o 7, o 9, o 51 (e não me refiro à cachaça, seus bebuns, mas à área de suposto contato extraterrestre), o 50135 (todo garoto nerd bobão entende essa referência! Não me decepcionem!), mas, o 23 é um caso à parte. Tomei contato com a mitologia do número 23 (eu, nascido num dia 23), em 1999, ao assistir ao filme alemão 23, dirigido por Hans-Christian Schmid, película interessante e instigantíssima. Parece que houve uma refilmagem blockbuster americanoide desse filme (como tantas outras de que vive a indústria de cinema pasteurizado de Hollywood), mas a ignoro. São muitas as curiosidades em torno do número 23. Seguem algumas, pras mentes ávidas por conspirações:

– O eixo da Terra está inclinado em um ângulo de 23°

– Nos seres humanos, é o 23º cromossomo que determina o gênero.

– Cada pai contribui com 23 cromossomos para o DNA de uma criança.

– As células somáticas dos humanos têm 23 pares de cromossomos.

– O ciclo do biorritmo do corpo humano dura 23 dias.

– O sangue demora 23 segundos para circular pelo corpo inteiro.

– O alfabeto latino (sem W, K e Y) tem 23 letras.

– A primeira transmissão em código morse foi a frase: “Que obra Deus criou!”, que é uma passagem da Bíblia do capítulo 23, versículo 23.

– Salmos, o maior livro da Bíblia é o 23º livro do Velho Testamento e seu salmo mais famoso e citado é o de número 23.

– O mais conhecido dos salmos bíblicos é o 23, atribuído ao Rei Davi

– De acordo com Flavius Josephus, historiador judeu, Adão e Eva tiveram 23 filhos.

– Os calendários egípcio e sumério começam no dia 23 de julho.

– O Sabá (assembleia das bruxas) do Solstício de Verão acontece no dia 23 de junho.

– Os Cavaleiros Templários, desde a sua fundação, até o seu fim, tiveram 23 Grandes Mestres.

– “Her Majesty” tecnicamente a última música de um disco Beatle e também a mais curta, têm exatamente, 23 segundos de duração.

Como disse, instigação às mentes imaginativas… Ou uma brincadeira de Cronos, imortal, eternizada. Quem saberá ao certo?

Por fim, o Soneto XXIII, de Shakespeare, na versão original e na tradução de Thereza Christina Rocque da Motta1:

As an unperfect actor on the stage,

Who with his fear is put beside his part,

Or some fierce thing replete with too much rage,

Whose strength’s abundance weakens his own heart;

So I, for fear of trust, forget to say

 The perfect ceremony of love’s rite,

And in mine own love’s strength seem to decay,

O’ercharged with burthen of mine own love’s might.

O! let my looks be then the eloquence

And dumb presagers of my speaking breast,

 Who plead for love, and look for recompense,

More than that tongue that more hath more express’d.

 O! learn to read what silent love hath writ:

To hear with eyes belongs to love’s fine wit.

———————————————————————

Como um mau ator no palco,

Que, por temer, está aquém de seu papel,

Ou uma fera tomada por excesso de ira,

Cuja força abundante enfraquece o coração;

Eu, então, por desconfiar, me esqueço de celebrar

 A sublime cerimônia do enlace amoroso,

E, em mim, a seu poder parece decair,

Sob o peso da força do meu amor.

Ah, deixa meu rosto verter a eloquência

E os presságios surdos de meu peito arfante,

 Que anseiam pelo carinho e procuram a recompensa

Mais do que a língua que tanto o expressou.

Ah, aprende a ler o que o amor em silêncio escreveu:

Só com a pureza do amor podemos ver e compreender.

  1. Thereza Christina Rocque da Motta (tradutora), SHAKESPEARE, William. 154 Sonetos. Em Comemoraçao Aos 400 Anos Da 1ª Ediçao 1609-2009. Editora Ibis Libris, 1ª edição, 2009. ISBN 8578230264

[“Todo tradutor é um traidor”, como dizemos na área de Letras. Tarefa ingrata! Ou se opta pela forma ou pelo conteúdo]

shakespeare- cervantes

P.S.: esse texto me evocou, dentre outras, lembranças de três pessoas, a quem quero dedicar essas linhas. O meu queridíssimo Roberto Imbuzeiro, vulgo Bob Bondade (ou ainda, Bonzinho), uma fofurice em forma de gente e, possivelmente, um dos matemáticos mais divertidos do Ocidente. A Ana Paula, vulga Farofinha, que tive a sorte de conhecer em sala de aula, moça que leva a vida vigésima-terceiramente. A Andrea de Oliveira, Música (adjetivo neologístico construído a partir de Musa), que sempre me inspira e com quem quero desvendar enigmas guardados pelo Tempo.

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Da série tantas vidas vivendo por aí 3*


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por Ana Souto

Consulto as nuvens cinzas de São Paulo que prometem água mas quem não arrisca, não petisca. Ônibus lotado às 14.30 de um sábado ? Tudo bem, o importante é que as empresas tenham lucro e vocês darem só um passinho pra frente, pessoal!  Entro pelo portão do museu e a tristezura de sempre. As fardas dos seguranças são tão vistosas – porque é que os meninos nunca sabem das atividades do local?  Custava um comunicado no mural do vestiário ? Custava alguém da administração dar um bom dia à tropa e informar o que acontece ou vai acontecer em seus lugares de trabalho ? É claro que o dono da empresa não frequenta, não frequentou ou frequentará a praça jamais, imagine. Esquece. Para de pensar bobagem que o espetáculo já começou. Suprema surpresa: é falado em caipirês ! Muita gente, pouco espaço pra sentar. Aos 15 minutos fico apreensiva. Pelo estilo da farsa , isso vai  passar dos 30 minutos, será que o público aguenta ? Aguenta e participa.  Aos 35 minutos,  um garotinho que estava sentado na minha frente, convidado discretamente por uma atriz a se fazer de morto na peça, não se faz de rogado. Ciente do que deveria fazer quando ouvisse estourar uma bombinha, antes que eu mesma me desse conta que havia soado a deixa, rastejou para o meio da ação como uma lagartixa fugitiva e se jogou com a barriga pra cima, os braço e as pernas abertas. Será o Benedito ? Esses moleques agora já vem com noção de ocupação espacial da cena ? Passam os 40 minutos e o espetáculo continua, a chuva não cai, começo a desconfiar que o  pedido do caipira da peça, para que Santa Bárbara proteja a casa da moça que mora na encosta do morro,  funcionou. Disse o caipira, que Santa Bárbara disse, que ela não podia parar a chuva mas ia maneirar na intensidade. Santa porreta.  Nenhum dos atores usa microfone, a plateia está apinhada, jisuismariajose, será que a voz deles vai durar até o fim ? Dura. Exatamente  uma hora e dez depois de começarem estão na cantoria final, acho que ainda vem água mas até ali,  só nos meus olhos. Beijos , parabéns para os atores e sebo nas canelas que minha amiga do interior  deve estar estourando lá na porta de casa. Essa vida é cheia de coincidências estranhas: fiz o papel de um portuguesa, há mais de 20 anos, substituindo esta mesma  amiga que estava grávida, em uma peça chamada “ Na Roça”. Parto com os planos de perguntar a ela o que isto pode significar mas não ando muito. No caminho, um trio de veteranos, tocando chorinho me agarra. A tentação vence, preciso escutar pelo menos uma, cantarolo baixinho, hipnotizada pelos dedos negros e nodosos que dedilham um violão que acusa décadas de uso. O violeiro sorri com os olhos e a boca de um bebê recém nascido. De onde ele tira tanta energia, eu me pergunto enquanto pago pelo show, no chapéu, um preço injusto. Ele me detém antes que eu me afaste para perguntar se eu canto.  “Como todo mundo”, digo envergonhada. “ Vi você tateando “Sinhô”, ninguém sabe mais essas músicas.” Digo-lhe que tem muita gente boba e pergunto se são profissionais. Me conta que são amadores, que se reúnem ali por gosto. “ Não estamos atrás da glória” ele diz orgulhoso. Então, algo acontece. O homem do saxofone aproveita o intervalo e começa a cantar com uma voz firme, de seresteiro, uma voz parecida, tão parecida com a do meu pai “Trabalho como louco mas ganho muito pouco”. E a moça começa a bater palmas efusivas. “ Por isso eu vivo sempre atrapalhado” ele continua e ela não cabe em si de alegria. “ Fazendo faxina…” Nesse instante, a moça não aguenta e se joga no meio da cena. Sambando, sambando. “ Comendo no China… tá faltando um zero no meu ordenado”. O pandeirista adere e a moça continua sambando como se não houvesse amanhã, caprichando no requebrar, apesar do piso impróprio e da sapatilha rasa. De vez em quando, revira os pulsos como uma Carmen Miranda  e declara orgulhosa :  “ Eu faço faxina! Eu faço faxina! “ Ao fim do improviso, o cantor mostra que entende do riscado e recomenda a ela : o que você precisa é de um salto 7 e meio.

Olho no relógio, estou mais de 20 minutos atrasada agora, vou mesmo. Se meu pai estivesse vivo, era capaz de telefonar só pra dizer “ Estive no Jardim da Luz e lembrei de você”. E ele ia rir aquele riso grave dele, apertando os olhos feito um chinês, faltasse quantos zeros faltassem no seu ordenado. Este foi o meu dia de sábado, como dizem os caipiras. A  chuva não caiu mas voltei pra casa, encharcada de emoção até os ossos.

* Ana Sou já não é mais convidada, virou pessoa de casa, abre a geladeira e pega o que quer. Publica quase toda sexta-feira aqui no Transversos. Sorte a nossa!

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Um reencontro memorável


Caminhava distraída em meio a um monte de gente quando esbarrei nela: fulana? Sorriu um sorriso de monalisa, dois beijinhos, tchau. Me senti tiete descompensada, envergonhada. Ela era minha colega de classe da facul. Não, nada disso. Do segundo grau? Também não. Do ginásio, é isso, do ginásio.

Não éramos grandes amigas, devemos ter estudado um, dois anos juntas no máximo, mas o reencontro inesperado tinha sabor de surpresa. Senti por brevíssimos instantes as emoções que tinha naquela época. Nossas conversas eram tão entusiasmadas, tão papo-cabeça para quem tinha atingido o auge da maturidade que os 12, 13 anos de idade podem oferecer. Fosse hoje e estaríamos a tagarelar sobre a CDHM ou sobre a maioridade penal ou sobre a cobertura das eleições venezuelanas. Sério mesmo. Nossa politização foi precoce.

Fiquei ali no Passeio Público, como alguém que viu o tempo passar em forma de gente. Assim, rápido, impessoal, desatencioso. Lembrei que talvez o nome dela nem fosse fulana. Beltrana talvez. E se fosse sicrana? Me cobrei pela gafe. Logo eu, a rainha das gafes. Nem conto o que fiz com um amigo que… ah, deixa pra lá… E naquele dia em Lumiar na casa da cunhada, quando eu… aff… Nem conto. Outro dia quem sabe…

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Do passado volto ao passeio e estou sozinha. O monte de gente agora parece multidão. Aperto a bolsa. Só não quero perder o celular. A operadora não presta; o aparelho tem valor sentimental: um smartphone que passa mais tempo procurando sinal do que qualquer outra coisa.  E a conta do mês chega pontual, sem descontos pelo desserviço. É um smartphone bonito. Quem me deu é ainda mais.

Me dei conta de que tenho quase três vezes 13. Será que fulana-beltrana lembra de mim? O que esperava de uma situação dessas? Nunca atinei com isso. Só sei que ficou uma ponta desatada, o fio não entrou na agulha. O tear encrencou-se.

Para Maurice Halbwachs, a memória se constrói na partilha. Quando ela se despediu, seguiu acompanhada por uma parte da história que eu não rememorei, uma parte das piadas de que rimos, mas não recontamos, uma parte dos trabalhos de grupo e das bagunças nas aulas, uma parte do prédio com seus bebedouros, e chão limpíssimos, e a mulher de branco. Foi-se embora uma parte de mim.

Categorias: Reflexões, Verso & Prosa | Tags: , , , , , | 15 Comentários

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