É pau, é pedra… é spray de pimenta, é gás lacrimogêneo, é bomba de efeito moral… População entrou em campo, ou melhor, saiu aas ruas, com gana, embora sem um padrão de jogo muito definido. De todo modo, foi o suficiente para escantear mesmo a portentosa Copa das Confederações da FIFA, em que pesem alguns grandes jogos que já houve na competição…
Havia muitos abusos contra a população represados, muita entrada de sola no calcanhar do povo. Então, veio o troco, digo, gota d’água!
[O que parecia uma luta imbrigável há pouco tornou-se reivindicação, consensualmente, legitimíssima.]
Mas, retornemos aa gênese de tudo… Não, não me refiro aa semana de 09 a 15 de junho, semana do dia dos namorados, em que decididamente acabou o amor, em verdade jamais existente, entre manifestantes e polícia. Tampouco me refiro aas pioneiras manifestações há dois meses em Porto Alegre que relembraram, magicamente, muitos que protestar serve ainda de algo. E também não menciono, mas poderia fazê-lo, aa Revolta do Vintém, entre 28 de dezembro de 1879 e 04 de janeiro de 1880, no Rio de Janeiro, contra o aumento de 20 réis (1 vintém) na passagem dos bondes, deixando o saldo de feridos e, mesmo mortos, na repressão aa população; contudo o mencionado aumento foi revogado.
[Valeu, gaudéria gauchada!]
Como não poderia deixar de ser, esse princípio nasce duma aparente digressão. Ah, como senti falta de escrever aqui, e justo quando precisei me fazer recluso− e como precisava disso− o jogo ficou duríssimo. Mas, vamos ao início de tudo…
Mῆνιν ἅειδε, θεὰ, Πηλιὰδεω Ἀχιλῆος (Mênin áeide, theá, Peliádeo Achilêos), “Canta, ó deusa, a ira do peleio Aquiles”, em tradução livre. No original grego, a primeira palavra do verso (há de se considerar as especificidades da sintaxe grega para ordenação oracional) é o substantivo mênis, “ira”, “fúria”. A ira é nossa base. Lembremo-nos de que esse é o verso inaugural do poema que funda o Ocidente, a Ilíada, de Homero. Eis nosso berço de ódio, fúria, ira, raiva! Aí está uma importante gênese simbólico-cultural de nossos vandalismos e barbáries, quiçá das barbaridades também.
Afinal, segundo a nossa ética, neutra e apenas informativa mídia, tratava-se e continua se tratando de atos de baderneiros, arruaceiros e assemelhados. Coisa, enfim, de vândalos, bárbaros, hunos, quiçá visigodos (povo que se estabelece na Hispânia, Península Ibérica, após a queda do Império Romano do Ocidente).
Passeata, marcha, manifestação, apitaço… tá tudo avalizado desde que se siga a etiqueta exigida pela nossa digníssima imprensa oficialíssima: se te baterem ofereça a outra face, já que a polícia militar de índole pacificadora, comprometida e zelosa com o bem estar e integridade, sobretudo, do cidadão, apenas escolta os atos, respeitosamente sem neles interferir. Enfim, qualquer protesto no país tá liberado (e viva a democracia imposta pelo povo na marra!) desde que não se distinga muito duma espécie de megaprocissão: tudo em ordem; e não em ritmo de “horda”. Será já uma preparação para a vinda do papa? Afinal, foi a Igreja que “libertou” a Europa das sujas garras bárbaras na Idade Média.
Claro que houve aproveitamento do espaço de mobilização popular pra se entrar de sola, em nível oportunista de banditismo mesmo. Mas, a polícia sempre pôde optar por conter isso e não o fez por, deliberadamente, preferir intimidar e barbarizar manifestantes nas ruas.
Bom exemplo do comportamento de dissimulação cara de pau, ou melhor, duas caras é o do desgovernador, infelizmente do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral pinoquiando sem parar:
No jogo de nossas lutas, houve bolas fora, como um momento de inflexão ultradireitista que quero crer esteja já extirpado, expulso de campo, pouco depois de recém-saídos dos esgotos da História em que vivem chafurdando, único espaço que podem habitar amplamente e donde vieram para a sórdida prática de covardia asquerosa que os marca desde sempre. É a TFP, Turma de Filhos da Puta, confinada aos subterrâneos da História.
Que ao menos, isso sirva pra que se esconda menos o jogo em nosso país. Que sirva para estampar nas ruas direita e esquerda de forma mais transparente. Afinal, aqui no Brasil, “ninguém é de direita”. Diferente de tantos países com tradição de protestos de direita e de esquerda, como nossos vizinhos Chile e Argentina, por exemplo, in terra brasilis, direita e esquerda caminham, surrealmente, juntas em megapasseatas, em que sequer se sabe que estejam lado a lado. Podemos dar um salto de qualidade nesse quesito.
Já os governos recuaram, no melhor estilo “dar os anéis pra não dar os dedos” e anularam aumentos de ônibus país afora, bem como retroagiram valores, em algumas cidades, outras modalidades de transporte público. Mas prosseguem na retranca descarada!
Nessa terceira semana de protestos e atos, após o pronunciamento da presidente, que, cá entre nós, deu uma amarelada em meio a toda a conjuntura, e o contorno que alguns atos começaram a ganhar, parece ter havido algum nível de redução no rumo “sem esquema tático” que estava já a se vivenciar nesses. Enfim, falta objetividade aa nossa movimentação.
E, com certeza, é preciso agora driblar obstáculos e tentar a todo o custo marcar mais gols. Não dá pra tirar o time de campo ou recuar. Mas, também não rola rifar a pelota. É isso que a suposta convocação pro ato do dia 1º próximo parece ser. Greve geral (?!) convocada apocrifamente, via feice, ao arrepio de quaisquer centrais sindicais?! Só faltou o Chapolin convocando o suposto ato. Nesse momento, esvaziar os movimentos sociais e seus sindicatos representativos, sejam quais forem, é apostar em gol contra. É uma aposta na tática do bumba meu boi. Isso até a Dilma percebeu, ao convocar interlocução com as lideranças em rede nacional.
Também não adianta só ficar tocando de lado, fazendo tabelinha, firula, jogar pra plateia. São muitos os penduricalhos vazios que pululam e ecoam, muitas vezes, com auxílio isento da mídia, nas manifestações. Vejamos, principalmente, a inócua pretensão de se lutar pelo fim da corrupção. Inutilidade, ao menos da forma como se propõe. NÃO EXISTE CAPITALISMO SEM CORRUPÇÃO. Não há como se manter os mecanismos básicos do sistema sem ela. Já falei disso no artigo Quem tem Deus não precisa de corrupção.
Amanhã, final da Copa das Confederações, vamos levar a partida um pouco mais pro setor esquerdo do campo, até o momento em que nos tornemos implacáveis por esse lado. O jogo começou, ainda sem sinais de apito final ou mesmo de prorrogação. Se derrubar é pênalti!
P.S.: desgosto ver a máscara de V for Vendetta, romance em quadrinhos de Alan Moore, de 1988, mais tarde, transposta pras telas numa versão bastante aquém do original, ser tão mal utilizada. Aos usurpadores de V, desanônimos que são, fica uma imagem que vale mais do que mil palavras baboseirentas que digam por aí na rede: