Embora não sejamos esquilos, é noz!

esquilo noz 2

É pau, é pedra, enfim, um caminho… É a porra toda! Meio que sem sentido. É dadá! E não é maravilha! Ou não. Qual o sentido da vida, afinal? É ela simples complexidade? O azul pesa quilômetros de musgos espasmódicos planadores assados em dó. Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão, logo o Manjericão Cleptomaníaco continua a perseguir obsessivamente a Dona Gansa que lhe foge equilateralmente em súbitos arrebóis.

Como diria o poeta alemão Hans Arp (1886-1966):

 

O PAI, A MÃE, O FILHO, A FILHA

O pai se pendeu

em lugar da pêndula.

A mãe está muda.

A filha está muda.

O filho está mudo.

Todos os três seguem

O tiquetaque do pai.

A mãe é de ar.

O pai voa através da mãe.

O filho é um dos corvos

da praça de São Marcos de Veneza.

A filha é um pombo-correio.

A filha é doce.

O pai come a filha.

A mãe corta o pai em dois

come-lhe uma metade

e oferece a outra ao filho.

O filho é uma vírgula.

A filha não tem cauda nem cabeça.

a mãe é um ovo galado.

Da boca do pai

pendem caudas de palavras.

A filha é uma pá quebrada.

O pai é pois forçado

a lavrar a terra

com sua longa língua.

A mãe segue o exemplo de Cristóvão Colombo.

Anda sobre suas mãos nuas

e agarra com seus pés nus

um ovo de ar após o outro.

A filha remenda o desgaste de um eco.

A mãe é um céu cinza

em que se arrasta embaixo bem embaixo

um pai de papel mata-borrão

coberto de manchas de tinta.

O filho é uma nuvem.

Quando chora chove.

A filha é uma lágrima imberbe.

 

É isso.

Não poderia deixar passar em branco ou cruzar em cinzas a semana que contém duas efemérides surrealistas, quiçá surreais: 11 de maio (hoje), nascimento de Salvador Dalí (1904) e 13 de maio, de Murilo Mendes (1901), o nosso representante bruzundanguense do movimento referenciado em Dalí.

[Momento de digressão. No mesmo 11 de maio, só que de 1839, deu-se a independência de Luxemburgo, o único grão-ducado existente hoje no mundo. Um país, com cerca de 505 mil habitantes em 2586 km2, menor do que alguns latifúndios brasileiros, mas um dos maiores PIBs per capita do mundo. Esse minipaís possui três línguas: francês, alemão e luxemburguês, além do fato de possuir mais de 30% da população estrangeira, o que faz dessa esquininha do mundo, uma verdadeira Babel.]

Voltando à nossa prosa, foi do horror das Grandes Guerras que nascera o Surrealismo. Era preciso ir além dos limites aprisionantes do convencionalmente real pra digerir o que se passava ao redor. Era a tal ponto que o predomínio da razão nos levara e além do penhasco aí formado nos lançaria? O que havia de racional nessa razão? Distorcer a razão, transformá-la, deformá-la, transpassá-la urgia. Uma referência de visão abrigada e salvaguardada dos horrores da razão. Eis a gestação do Surrealismo.

autorretrato mole com toucinho frito

Autorretrato mole com toucinho frito. Salvador Dalí, 1941

Passo à citação de alguns trechos do Manifesto Surrealista, de 1924, de André Breton:

“A atitude realista é fruto da mediocridade, do ódio, e da presunção rasteira. É dela que nascem os livros que insultam a inteligência.”

“A mania incurável de reduzir o desconhecido ao conhecido, ao classificável, só serve para entorpecer cérebros.”

“Oxalá chegue o dia em que a poesia decrete o fim do dinheiro e rompa sozinha o pão do céu na terra.”

Uma semana de bondade, de Max Ernst, 1934

Uma semana de bondade, de Max Ernst, 1934

A escola surrealista foi uma das Vanguardas artísticas que, no início do séc. XX, varreu a Europa de ressignificação artística, em alguns casos, tensionando essa ressignificação ao limite. É dessas vanguardas, Cubismo, Dadaísmo, Expressionismo, etc que descende o Modernismo brasileiro instaurado a partir da Semana de Arte Moderna de 1922, sob os auspícios de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral “et caterva”.

De todas as proposições estéticas, surgidas nesse período, possivelmente nenhuma foi mais exitosa, diversificada e longeva do que o Surrealismo.

[Trayller de Um cão andaluz, clássico do cinema surrealista, dirigido por Luiz Buñuel e Salvador Dalí, de 1928. Até hoje uma das primeiras cenas mais antológicas da história do cinema]

magritte- le viol

O estupro, de René Magritte, 1934

Isso tudo me suscita a perguntar por que o surrealismo perdura até hoje, ao menos como referência? A resposta maquis imediata é que ainda vivemos num mundo cuja realidade clama por surrealismo, sob pena de enlouquecermos irreversivelmente se nos vedado o vislumbre do surreal. Aliás, o quadro talvez seja de ainda maior desespero. Talvez precisemos clamar pelo transsurreal, uma vez que o mundo talvez já se tenha surrealisticizado demais.

Tomemos alguns exemplos desse mundo surreal em que vivemos; ora surrealismo libertador, ora devastador.

É surreal um mundo em que isso já fez sucesso:

É surreal um mundo em que a desexistência bate à porta de tantos para lhes bater a porta da exclusão na cara, enquanto há montanhas everestianas de bastanças manipuladas pelos dedos, ainda tão recobertos de anéis, de tão poucos. Mundo vasto mundo (pra quem o pode vastear)…

Surreal é o Maraca, templo sagrado privatizado (agora sob a calhorda denominação de “concessão”,  relativamente recente e exitoso verbete neoliberal!)!

Renato Aroeira, em 09/05/13

Renato Aroeira, em 09/05/13

Surreal é lembrar que nesta semana será comemorada a hipócrita Abolição da Escravidão, a qual foi muito mais movida por razões econômicas do que humanitárias e, claro, por pressão externa. Afinal o Brasil foi, pasmem, o último país das Américas a abolir essa hedionda prática!  Quanta vergonha!

Curiosamente, no mesmo 13 de maio em que se deu o que já não havia como se conter, e em que nasceu Murilo Mendes, também veio ao mundo Lima Barreto. Vejam só que data… O velho Lima Barreto do tocante Triste fim de Policarpo Quaresma, Quixote à brasileira. O mesmo Lima Barreto que morreu desacreditado em desgraça, tomado por fracassado, por cachaceiro, por louco. O mesmo Lima Barreto que demonstrou não ser surreal falar javanês. O mesmo Lima Barreto que torcia o nariz pro futebol por ser, à sua época, esporte de elites e com ares pouco brasileiros. O mesmo Lima Barreto negro rejeitado pela sociedade. O mesmo Lima Barreto cuja Academia Brasileira de Letras batera a porta na cara quando ele foi bater à porta da casa de Machado (no período em que o também negão Machado a presidia). O mesmo Lima Barreto que viveu uma vida de tormentos e desvalores, à margem da mínima solidariedade. O mesmo Lima Barreto que metaforizou a Bruzundanga, país fictício que representava o Brasil e suas mazelas. Viva (em verbo e em interjeição), Lima Barreto!

Lima Barreto, 1881- 1922.

Lima Barreto, 1881- 1922

Surreal é desacreditar que o mundo não possa mudar. Lima Barreto era um sonhador, desacreditado e ridicularizado de inúmeras maneiras. Precisamos acreditar. Eu creio fortemente no ser humano, naturalmente coletivista. Digo e repito: o ser humano é, naturalmente, coletivista. Não o fosse, não estaríamos aqui. Se em nome dum exercício de liberdade um homo sapiens primitivo bradasse pelo mero direito de o fazer e, assim, afugentar a caça, onde estaríamos? Não há essa liberdade que se sobrepõe ao direito coletivo à vida. O ser humano chegou onde chegou porque é de natureza gregária, coletiva e solidária. Mas é preciso retirar a venda de aparente realidade de seus olhos. Precisamos extravasar o surreal. Busquemos o transreal, o extrarreal, o suprarreal: o plano de realidade que seja necessário pra instaurar um mundo que seja real!

Mas, falemos também do “surreal de bom”, como o roque lisérgico do Jefferson Airplane:

Surreal do ótimo, aliás, é amor incondicional de mãe!

Amor de mãe é a solidariedade despida e plena levada ao ápice. Sem necessidade quaisquer de comercialismos.

[Talvez a peça mais emocionante de toda a minha vida!]

A mesma maternidade é razão ontológica para a opressão às mulheres. Eu, particularmente, invejo-as pelo poder de gerar vidas. Não conheço maior poder. E penso ser surreal tal leitura ter sido apagada de nossa história e suplantada por outra que transforma esse poder transformador da mulher em dado de fragilidade, alicerce pra subjugá-la.

Às mães, enfim!

P.S.: exponencialmente surrealíssimo  é isto:

http://literatortura.com/2012/10/23/fisicos-encontram-evidencias-de-que-realidade-pode-ser-uma-mera-simulacao-virtual/

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