Por Ana Souto
Era uma vez um rei que, de tanto ver anúncio da Coca-cola, decidiu viver apenas cercado de felicidade. Então, como sempre acontece nestes casos, mandou um batalhão de emissários a todos os cantos da Terra buscar um homem feliz- Vai daí que um dos enviados descobriu, em um feudo distante, um nobre cavalheiro que declarava saber a fórmula mágica para tornar qualquer homem feliz. Bem depressa para lá se dirigiu o monarca, carregado de tesouros para recompensar o detentor de tão preciosa receita. Logo à chegada o monarca percebeu, satisfeito, o mais potente sorriso que algum dia vira – o senhor feudal tinha excelente aspecto, esbanjava saúde e alegria a toda prova. Perfeito anfitrião, ofereceu ao rei e a seu séquito o mais copioso banquete que se possa imaginar, repleto de finas iguarias do mundo todo. Acabada a refeição, refestelaram-se ambos em um salão agradável, decorado com belas obras de arte e animado pela performance de jovens e belos artistas, enquanto degustavam finos licores. Ao final de tudo, o monarca, já um bocado impaciente – que daqueles luxos nunca lhe faltara nada – pediu ao anfitrião que lhe fornecesse afinal, a tão ambicionada fórmula da felicidade :
– É simples, Majestade, e não sei porque Vossa Alteza pagaria tão alto preço para tão simples receita.
– Para mim riquezas pouco significam- respondeu o rei que tinha inúmeros súditos trabalhando incessantemente para seu conforto – então, sem mais demora, diga-me como alcançou este esfuziante estado de espírito, essa inesgotável alegria que adorna seu rosto e como um homem pode alcançá-la.
– É simples – retorquiu o homem feliz –, a fórmula da felicidade está dentro de si. Cada homem deve buscar o estado de espírito da felicidade dentro de si e nada mais.
O Monarca se remexeu na rica poltrona que ocupava.
– Temo não compreender bem o sentido das suas palavras, meu bom homem, peço que explique melhor.
– Atenção, Majestade, devo começar por explicar-lhe: sou um homem comum, em nada especial, portanto qualquer homem pode seguir-me os passos. Fui agraciado, apenas, com a vontade sincera de ser feliz e nenhuma preguiça de procurar este estado. Sou diligente na gestão das minhas terras, dou trabalho aos camponeses, produzo riquezas para o reino. Cerco minha família de amor e cuidados, luto por conservar o sossego e o conforto de nosso clã, dentro dos meus princípios e valores. Tenho muitas posses, é certo, mas elas me foram legadas pelo meus dons intelectuais, por meus antepassados, por seus esforços, por nosso merecimento. Por isto, me sinto obrigado a manter boa disposição e se faz bom ou mau tempo, se há doença ou morte à espreita , se há luto, crime na cidade, ou má ação dos homens baixos – sua vilania e a tudo que me repugna- sou indiferente. Como e bebo bem, sei gozar os prazeres e fazer o que está ao meu alcance, luto para obter para os meus o que nos satisfaça o corpo e o espírito, defendê-los para que nada disto venha lhes faltar. Tenho tido a sorte de não sofrer grandes revezes pessoais, portanto considero que fui agraciado com a obrigação de ser feliz e tudo devo fazer para assim me conservar !
Em atitude reflexiva, o Rei, que era também metido a economista, quis aprofundar a lição:
– Mas o mau tempo, por menos que afete seu feudo, causa prejuízo às colheitas de todo o reino, os crimes na cidade causam desordens e ameaçam os menos protegidos, a vilania de uns poucos leva sofrimento a muitos, há muita injustiça no mundo e poucos juízes dispostos a promover justiça, até mesmo o rei sente o peso de combater tantas mazelas no reino…
O homem feliz não conseguiu conter uma de suas cortantes gargalhadas.
– Permita-me emendar suas palavras, meu bom Rei, pois é justamente disto que se trata. Há que fechar os olhos do coração a tudo que não afete estritamente Vossa Majestade ou seus amados próximos. Tornar-se cordialmente indiferente não é tarefa simples mas também não se afigura das mais complexas. Depois de habituar-se, qualquer um verá como é fácil não sentir as coisas da vida que não o afetam. Concentrando-se naquilo que o cerca, do qual possa tirar proveito, haverá de obter para si, uma aura de bem aventurança. Verá que mesmo ao deparar-se eventualmente, ao trafegar pela estrada, com a vilania, poderá voltar os olhos para o outro lado e contemplar as flores no campo que não fiam, nem tecem e ouvir o canto das belas aves que o Senhor dispôs para nosso gozo, obter alegria até mesmo com coisas simples…
Então o Rei depositou todos os tesouros ao pé do homem, voltou ao Palácio e decretou que, daquele dia em diante, todos os nobres do reino deveriam se comportar tal e qual a receita do homem feliz. E, em breve, a maioria dos súditos também passou a seguir tais hábitos. E o reino virou o que virou.
*Nota de rodapé.
Há rumores de que o final desta fábula não corresponde à versão original que, de fato, era:
“Infelizmente o homem feliz não pode completar a receita porque no ponto em que ia falar das flores, uma horda furiosa de mendigos e camponeses invadiu o castelo e decapitou quem encontrou pela frente”.
Ana Souto é camaleoa transversa: finge que não é colunista, mas não nos esquece de presentear às sextas com suas sacadas sensacionais. E explica mais sobre quem foi Heleny Guariba, que dá nome ao teatro da foto:
ABSOLUTAMENTE FANTÁSTICO !
Sua danada…detectora de realidades com um estilo…
Será q esse monarca feliz tinha uma rainha chamada Antonieta?
Adoro as suas sutilezas…Minha sexta-feira já tem compromisso…passar por aqui!
Se queres saber Lourdes o manto que eu visualizo neste rei, é verde oliva, mas admito que ele tem muitas cores possíveis.. Viste o link para a história de Heleny Guariba. Valorosa mulher. Obrigada pela “assinatura” antecipada… vou me esforçar pra você não perder a viagem. bjos.
Como disse Lourdes Campos, já tenho também compromisso na sexta…passar por aqui e ler com satisfação seus textos! Muito bom!!
Sê bem vinda, Fátima e confira os outros Transversos, são ótimos.
É isso aí, né, Ana? Felicidade não existe. a gente tenta, mas se f… lembrei de nossos papos, preciso deles logo! ADORO tuas reflexões! rsrsrs